by Eduardo Stark
O texto a seguir tenta retratar Tolkien em 1964, em uma forma narrativa diferenciada, ao bom estilo biográfico. A intenção é passar a ideia de como era um dia normal na vida de Tolkien e sua relação com as pessoas famosas. Começando pelos Beatles, Robert Graves e Ava Gardner.
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Em uma bela casa em Oxford vivia um professor. Mas esse não era apenas um professor de Oxford, com suas especialidades acadêmicas e desenvoltura para lecionar. Esse era um professor diferente, e seu nome era John Ronald Reuel Tolkien.
Milhares de pessoas no mundo inteiro ao ler esse nome rapidamente ligavam a ideia de Fantasia! Hobbits! Aventuras! Dragões! Isso por que Tolkien havia publicado livros de grande sucesso naquela época e ainda até hoje: O Hobbit e O Senhor dos Anéis.
Ao se pensar em grandes mitologias com uma infinidade de possibilidades mágicas logo se imagina como deveria ser a vida do criador de tudo isso. Bem, alguns achavam que o professor Tolkien era um jovem sonhador (ao menos em ideias). Mas pouco se sabia sobre a vida do homem.
Desde que tinha se aposentado a cinco anos atrás o Tolkien fora morar com sua esposa em uma distinta residência, localizada na 76 Sanfield Road, Headington em Oxford.
Apesar de ter se aposentado, Tolkien ainda realizava várias atividades, especialmente dedicadas aos seus livros O Hobbit e O Senhor dos Anéis. Novas tarefas se intensificavam na medida em que seus livros ficavam cada vez mais conhecidos.
Como de costume, acordou pela manhã e tomou o café com sua esposa. Naquele dia Tolkien estava com bom humor e disposição, porém parecia estar aflito com o barulho que vinha da rua e dos vizinhos. Ele se irritava com isso, pois atrapalhava nas horas em que se dedicava aos trabalhos de casa e em especial aos escritos de sua mitologia.
Logo aprontou-se, cumprimentou sua esposa, pegou o jornal do dia e foi em direção a mesa para o café da manhã.
– Espero que hoje não tenhamos o barulho ensurdecedor daquele rapaz. Disse Tolkien enquanto pegava seu cachimbo e se ajeitava na cadeira.
– Acho que ele não deve fazer isso hoje. Ele costuma tentar ser um Beatle nos finais de semana. Disse Edith enquanto arrumava a mesa.
E Tolkien respondeu sorrindo – Ainda bem. Talvez hoje consiga adiantar meus rascunhos do Silmarillion com mais tranquilidade.
Cerca de três casas vizinhas dali, vivia um jovem que gostava de rock e que tinha uma banda que tocava músicas dos Beatles, um grande sucesso midiático naquela época, especialmente com o lançamento do mais novo álbum A Hard Day’s Night.
A esperança de Tolkien por paz e tranquilidade se esvaziou quando logo pela manhã já se escutavam barulhos de carros e motos passando na rua, bem como os sons altos das televisões e rádios vindos das casas dos vizinhos.
Quando os Tolkiens se mudaram para a Sandfield Road o local era um beco sem saída, o que conservava um silêncio interessante para o casal de idosos. Contudo, logo foi aberta na outra extremidade e por algum tempo tornou-se um desvio não oficial de caminhões, antes de Headley Way ser completada. Agora é um estacionamento de automóveis para o campo do “Oxford United” no alto da rua, o que implica em muito barulho ao longo de todo o dia e boa parte da noite.
Mas apesar disso, Tolkien se sentia satisfeito com as atividades na Igreja Católica local, na St. Anthony of Pádua. E tinha como vizinho seu amigo de longa data o Hugo Dyson, que morava na 32 Sanfield Road. Junto com Tolkien, Hugo Dyson foi responsável por convencer C.S. Lewis a deixar o ateísmo e se tornar um cristão.
Logo mais, a nova secretária Mary E. Hares chegou batendo na porta. Era uma jovem simpática e bem educada. Ela havia iniciado seu trabalho com Tolkien a pouco tempo.
Com a ampliação dos compromissos relacionados aos seus livros e tendo uma idade já avançada, Tolkien sentiu a necessidade de ter um auxilio e foi assim que surgiu a recomendação de que ele precisava de uma secretária.
Naquele dia, Mary E. Hares lembrou os compromissos marcados na agenda para a semana. Tolkien foi advertido que havia duas entrevistas marcadas com os jornalistas Irene Slade e Denys Gueroult para programas na rádio BBC, que aconteceria em dois dias, quinta feira.
A secretária lembrou também do convite especial que ele havia recebido para uma palestra de Robert Graves, que era um renomado poeta e escritor e por ser também professor de poesia em Oxford fazia parte do mesmo ciclo de amizades de Tolkien.
Graves se encontrava com Tolkien geralmente no meio acadêmico de Oxford ou mesmo informalmente em algum pub da cidade. Tolkien já era um professor conhecido e naturalmente tinha certo reconhecimento por outros professores ou até mesmo era desprezado por alguns por sua fama.
Robert Von Ranke Graves, nascido em Londres, era filho de um irlandês e uma alemã. Tolkien e Graves tinham diversas coisas em comum. Além do fato de serem professores em Oxford, ambos foram soldados durante a primeira guerra mundial. Lutaram e perderam muitos amigos na batalha de Somme.

Robert Graves na 1ª Guerra Mundial
A experiência de Graves durante a guerra parece ter sido muito traumática, a ponto de lhe causa problemas psicológicos. Ele foi atingido e foi dado como morto, mas conseguiu ser recuperado alguns meses depois. Nessa empreitada perdeu amigos e sofreu de nervos até o final de sua vida. Se lembrar da guerra era algo sempre pesado e por isso as suas conversas com Tolkien não se aproximavam disso, salvo em raras exceções.
Depois da guerra, Graves continuou seus estudos em Oxford e publicou vários livros. Tendo se notabilizado por sua autobiografia “Goodbye to All That” (1929), com grande número de vendas na época. Escreveu vários romances históricos, sendo o mais conhecido “Eu, Claudius, Imperador”, que obteve os prêmios Hawthornden e James Tait Black, e “Claudius, o Deus, e Messalina” (1934), a que se seguiram, entre outros: “O Conde Belisário” (1938), “O Sargento Lamb” (1940), “A Esposa de Mr. Milton” (1948), “O Tosão de Ouro” (1944), “O Rei Jesus” (1948).
Mesmo Graves sendo famoso e prestigiado, Tolkien não poupava críticas. Em uma carta o autor do Hobbit descreve rapidamente Robert Graves em um trecho de sua carta: “uma criatura singular, divertida, agradável, estranha, cheia de idéias fixas, meio-alemã, meio-irlandesa, muito alta, deve ter se parecido com Siegfried/Sigurd em sua juventude, mas um Asno”. Tolkien discordava fortemente de algumas ideias que ele tinha e por isso o chamou de asno nesse trecho. Mas a discordância de ideias nunca foi impedimento para manter suas amizades. Tolkien sabia diferenciar isso.
Nessa época, o filho de Graves tinha onze anos e já havia experimentado as aventuras de O Hobbit, pois sua mãe havia adquirido o livro com o Tolkien e tinha lido o em voz alta para ele.
Tendo em vista essa amizade, Robert Graves convidou Tolkien para o último dia de um ciclo de palestras e apresentações poéticas naquela mesma cidade. Passado algumas horas, tendo verificado o compromisso marcado, Tolkien começou a se arrumar. Vestiu seu terno como de costume, penteou o cabelo e lustrou os sapatos.
No horário e local marcado Tolkien estava presente. Haviam várias pessoas, todas formalmente preparadas para a apresentação de Graves. Na escada da colégio onde ocorreria a palestra haviam vários jornalistas tirando fotos. Por um momento Tolkien pensou que seriam em razão dele ou de Graves que aqueles jornalistas estavam ali.
A Há poucos anos, em 1961, Robert Graves havia designado como professor de Poesia em Oxford e muitos estavam ali para conhecer o professor e seus poemas.A palestra teve o seu curso normal, porém Tolkien não gostou nenhum pouco. Como ele chegou a afirmar “Foi a palestra mais ridiculamente ruim que já ouvi”. O tema e a forma de Graves expor não o agravada.
Após a palestra, as pessoas se direcionaram ao salão de eventos e conversavam sobre diversos temas. Nesse momento, Robert Graves apresentou uma moça ao Tolkien. Ela se chama Ava Gardner, estava vestida de forma modesta e pareceu simpática. Ela conseguiu se dar bem com o autor do senhor dos anéis e conversaram brevemente.
Foi então que Graves interviu e começou a rir dizendo: “E óbvio que nenhum de vocês já ouviu falar do outro antes”. De fato, Tolkien não conhecia aquela jovem e nem ela conhecia o Tolkien.
Pouco depois, Tolkien foi informado que Ava Gardner uma atriz conhecida internacionalmente por grandes produções cinematográficas de Holywood. Foi então que Tolkien se deu conta que os jornalistas e seus flashs não eram para ele e nem para o Robert Graves.

Ava Gardner e Robert Graves no dia da palestra
Essa situação demonstra que ambos, mesmo tendo muito sucesso sem suas áreas, literatura e cinema, eram como se estivesse em mundos diferentes. Tolkien parecia não conseguir se adequar ao sucesso e a fama. São situações como essa que o deixavam desconcertado.
Os flashs dos jornalistas naquele dia ignoraram Tolkien e deram atenção a jovem de sucesso do momento. Bem, hoje em dia muito se fala sobre Tolkien e quase nada sobre Ava Gardner.
Se Tolkien estivesse vivo, certamente teria uma sensação de Schadenfreude… Como o mundo dá voltas…
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