
O Moinho da Vila dos Hobbits (por J. R. R. Tolkien).
by Eduardo Stark
O autor J.R.R. Tolkien foi um professor universitário. Ele se dedicava quase que integralmente em suas atividades de docente. Vários alunos eram orientados em teses acadêmicas e algumas vezes se tornavam amigos do professor. Esse foi o caso de Elaine Griffiths, que sendo orientada por Tolkien acabou se tornando amiga dele e de sua família. Mas essa não foi uma simples aluna. Ela foi chamada por Tolkien de A RAINHA DOS HOBBITS. Por ter exercido um papel importantíssimo para levar ao grande público a obra de O Hobbit.
A origem do Hobbit é um tanto diferente de escritores comuns. A maioria escrevem suas histórias com base em temas e rascunhos planejados. Com Tolkien a primeira escrita foi algo que quase se tornou espontâneo. Como o próprio Tolkien descreve:
Tudo que me lembro sobre o início de O Hobbit é de sentar para corrigir provas para o Certificado Escolar no cansaço interminável daquela tarefa anual imposta sobre acadêmicos sem dinheiro e com filhos. Em uma folha em branco rabisquei: “Numa toca no chão vivia um hobbit.” Não sabia e não sei por quê. Não fiz nada a respeito por um longo tempo, e por alguns anos não fui além da produção do Mapa de Thror. (Carta 163, para W. H. Auden, 7 de junho de 1955)
Tolkien havia escrito o Hobbit sem nenhuma pretensão de publicar inicialmente. Era parte de um dos seus vários escritos que fazia como entretenimento pessoal e familiar. Era comum escrever histórias para seus filhos se divertirem. Dessa época surgiram livros como Roverandom e Sr. Bliss. O Hobbit teve essa mesma ideia de ser um livro para que seus filhos se aventurassem em um mundo de perigos imaginários.
Tolkien não esperava sucesso. Até mesmo por que ele acreditava que as pessoas não iriam se interessar em ler esse tipo de livro. Em entrevista concedida em 1966 ao The Telegraph ele afirmou o seguinte: “Eu nunca esperei um sucesso financeiro. De fato, eu nunca nem mesmo pensei em uma publicação comercial quando eu escrevi O Hobbit nos anos trinta“.
Tolkien primeiramente escreveu os textos a mão e em seguida fez uma versão datilografada com quase todos os capítulos, exceto os últimos ainda inacabados. Os escritos do Hobbit poderiam ficar em uma gaveta em sua casa em Oxford sem que o autor se preocupasse em terminar os últimos capítulos.
Mas em alguns casos o universo parece conspirar para que tudo ocorra bem. E de forma inesperada uma publicação de um livro para crianças se torna possível. Foi assim que uma de suas alunas acabou lendo essa versão e pensou que poderia ser publicado como um livro infantil.

Elaine Griffiths, a rainha dos hobbits
Mary Elaine Griffiths (1909-1996) era então uma jovem católica que estudava em Oxford, em 1933 começou a trabalhar em uma tese acadêmica para o bacharelado em Letras, com a supervisão de J.R.R. Tolkien A tese tinha o título de Notes and Observations on the Vocabulary of Ancrene Wisse MS CCCC 402.Nessa época Tolkien estava organizando uma edição de Ancrene Wisse e tinha adquirido uma série de fotocópias dos manuscritos para seu estudo privado. Griffiths tinha se tornado sua assistente, realizando transcrições do manuscrito e glossário e índice.
O fato de ser católica aproximou ainda mais Griffiths de Tolkien. Isso por que o manuscrito que estavam estudando Ancrene Wisse (também chamado Ancrene Riwle) é um guia ou conjunto de regras monásticas para mulheres anacoretas, religiosos que se tornam reclusos para viver em contemplação e escrever textos cristãos. O manuscrito anônimo é do período medieval por volta do século XIII.
Esses estudos acadêmicos acabou aproximando Griffiths de Tolkien e sua família. E foi assim que ela teve conhecimento das histórias de fantasia de seu professor. Conforme o próprio Tolkien lembrou em carta de 31 de agosto de 1937 para seus editores da Allen & Unwin:
A magia, a mitologia, a “história” presumida e a maioria dos nomes (como, por exemplo, o épico da Queda de Gondolin) foram, ai de mim!, retirados de invenções não-publicadas, de conhecimento apenas de minha família, da Srta. Griffiths e do Sr. Lewis. (Carta 15, para Allen & Unwin, 31 de agosto de 1937).
C.S. Lewis era um amigo muito próximo de Tolkien e, anos depois da publicação do Hobbit, também publicou seus livros de fantasia nas Crônicas de Nárnia. Essa amizade possibilitou a troca de experiências literárias e um entusiasmo para que Tolkien terminasse suas histórias. Tolkien só revelava algo sobre suas histórias para pessoas muito próximas e por isso apenas duas pessoas além de seus filhos, tinham o conhecimento do universo da Terra-média.
Conforme Humphrey Carpenter escreve: “Entre as poucas pessoas a quem foi mostrada a versão datilografada de O Hobbit estava uma estudante chamada Elaine Griffiths, que fora aluna de Tolkien e se tornara amiga da família”. (CARPENTER, p.46)
Enquanto auxiliava Tolkien nos manuscritos medievais, e tinha seus primeiros contatos com o Hobbit, Elaine Griffiths realizava tutoria para graduandos na Cherwell Edge, em que havia um hotel para moças católicas na Society of Home-Students, como a faculdade St. Anne de Oxford era chamada na época. Griffiths vivia nessa hospedaria e tinha como aluna Susane Dagnall, que trabalhava na editora Allew & Unwin.
Foi então que Griffiths sugeriu para a editora Allen & Unwin que a edição de Beowulf de John R. Clark Hall deveria ser revisada e tendo como editor o professor Tolkien. Contudo, na época Tolkien estava sem tempo e em troca nomeou a própria Griffiths para realizar o trabalho, sob sua supervisão, enquanto escreveria um prefácio ou introdução. Mas Griffiths não conseguiu completar o trabalho, que foi feito por C. L. Wrenn, e publicado pela Allen & Unwin em 1940 como “Beowulf and the Finnesburgh Fragment, with prefatory remarks by Tolkien”.
Foi em uma de suas conversas sobre a publicação de Beowulf que Susan Dagnall pediu a Elaine Griffiths algum material que pudesse ser publicado e ela sugeriu que procurasse o Tolkien e sua pequena história sobre o Hobbit. Em entrevista a um programa de rádio em 1974, Elaine explica como tudo aconteceu nesse contato:
Quando eu era uma jovem universitária, o professor Tolkien me emprestou (não um manuscrito), uma versão lindamente digitada de O Hobbit. Ele tinha uma máquina de escrever fascinante com letras em itálico, e achei que ficou maravilhoso e o li com enorme prazer. E um tempo depois, alguém que conheci quando ela era estudante e que trabalhava para a Allen & Unwin, veio até mim e queria alguma coisa. Eu esqueci o que, e disse: “Oh, Susan, eu não sei ou não consigo lembrar, mas vou lhe contar uma coisa, vá a procura do Professor Tolkien e veja se você pode pegar dele um trabalho chamado “O Hobbit”, pois acho que é espantosamente bom. (ANDERSON, p. 12)[1]
Depois desse contato, Susan Dagnall procurou o professor Tolkien e teve acesso a primeira versão do Hobbit. Ao ler por completo aqueles escritos percebeu que deveria ser encaminhado ao editor e assim teve início o processo de publicação da obra. O livro foi publicado em setembro de 1937 e teve um sucesso imediato e logo o editor pediu ao Tolkien que escrevesse mais sobre os Hobbits e assim teve início O Senhor dos Anéis.
Assim que o Hobbit foi publicado, Tolkien enviou um exemplar para Elaine Griffiths com dedicatória: “Elaine Griffiths with best wishes from J.R.R.T.” Da mesma forma com a primeira tradução para o sueco em 1947.
Griffiths tinha como principal interesse o ensino e o atendimento aos estudantes e as publicações não eram sua prioridade. Em 1938, ela se tornou uma professora de inglês na Society of Oxford Home-Students, e até sua aposentadoria em 1976 realizou, em um momento ou outro, quase todos os trabalhos no que se tornou St Anne’s Society em 1942 e depois em Faculdade St Anne, em 1952. Os seus esforços para melhorar as instalações físicas da faculdade são particularmente notáveis. Em Oxford, ela também atuou como presidente do Comitê de Faculdade de Inglês e como membro do Conselho Geral, e foi professora de inglês.
Na década de 1950, Griffiths começou a trabalhar em uma edição de ‘Judith’ em Inglês Antigo, mas outro estudioso acabou realizando. Seu ensaio histórico, sobre a última guerra do rei Alfred foi publicado no Festschrift, “English and Medieval Studies Presented to J.R.R. Tolkien on the Occasion of His Seventieth Birthday”, em 1962.
A amizade de Tolkien com a Griffiths perdurou durante toda a vida. E ele sempre se mostrou grato pela amizade. Ao publicar O Senhor dos Anéis o autor enviou um exemplar do livro com uma dedicatória em língua élfica Quenya escrito “Elainen tarin Periandion ar meldenya anyaran” (Para Elaine, rainha dos Hobbits e minha velha amiga). Elaine tinha baixa estatura então o ‘título’ de Rainha dos Hobbits dado por Tolkien tinha o duplo sentido de lhe atribuir o agradecimento pela ideia da publicado do livro e uma brincadeira com sua altura.
Essa edição assinada por Tolkien é considerado um dos livros mais valiosos entre os colecionadores atualmente e se encontra no museu do Greisinger na suécia.
Após a morte de Tolkien, ocorrida em 1973, Elaine Griffiths se tornou referência para o escritor Humphrey Carpenter escrever a biografia de J.R.R. Tolkien. Além disso, ela ainda mantinha contato com os filhos do autor do Hobbit e chegou a receber de presente a última foto de Tolkien feita um mês antes do seu falecimento. No verso da foto que foi enviada por Priscilla Tolkien está escrito: “For Elaine with love from Priscilla” (Para Elaine com amor de Priscilla).

Última foto de J.R.R. Tolkien tirada em vida. Colorida por Renato Domingos.
Tolkien publicou poucos livros durante sua vida. Isso devido a várias circunstâncias de sua vida pessoal e do contexto de sua época entre guerras mundiais. Assim, muitos manuscritos e livros inteiros de sua autoria jamais foram de conhecimento do grande público e apenas graças ao seu filho Christopher Tolkien pôde ser publicado.
Madre superiora St. Teresa Gale
Elaine Griffiths era uma jovem católica e por isso acabou residindo em uma hospedaria para moças que tinha como responsável a diretora do convento Madre Superiora St. Teresa Gale (1873-1951), que por aproximação acabou também lendo a versão inicial do Hobbit antes de sua publicação.
St. Teresa Gale se tornou católica quando era universitária na Faculdade Newman em Cambridge, onde estudava línguas medievais e modernas. Em 1894 ela entrou na “Society of the Holy Child Jesus” (Congregação do Santo Menino Jesus). Teresa Gale fez de Cherwell Edge um centro católico em Oxford, que posteriormente recebeu apoio de J.R.R. Tolkien.
Em três cartas Tolkien relata como o Hobbit chegou a ser publicado e como a St. Teresa Gale acabou lendo a primeira versão, quando estava doente:
foi finalmente publicado não por causa do entusiasmo dos meus próprios filhos (embora tenham gostado o suficiente dele), mas porque o emprestei para a então Rev. Madre de Cherwell Edge quando ela teve uma gripe, e ele foi visto por uma ex-aluna que naquela época estava no escritório da Allen and Unwin. (Carta 163, para W. H. Auden, 7 de junho de 1955)
Quase dez anos depois, em carta para Christopher Bretherton, Tolkien relata novamente a leitura do hobbit e como ele chegou a ser publicado:
O Hobbit veio a público e fez minha ligação com a A. & U. por um acidente. Ele não era conhecido, exceto por meus filhos e por meu amigo, C.S. Lewis; mas emprestei-o à Madre Superiora de Cherwell Edge para entretê-la enquanto se recuperava de uma gripe. Dessa forma chegou ao conhecimento de uma moça, uma estudante residente na casa ou a amiga de uma estudante, que trabalhava no escritório da A & U3. (Carta 257, para Christopher Bretherton, 16 de julho de 1964).
Em seu último relato sobre o ocorrido Tolkien parece deixar mais detalhes de como tudo ocorreu. Agora mudando a versão de que havia emprestado a versão inicial para a Madre Superiora:
A Rev. Madre era superiora de um convento (da ordem da Sagrada Criança) em Cherwell Edge, que entre outras funções mantinha um albergue para alunas de graduação. Mas do modo como a conheço, a história é a seguinte: a Srta. M. E. Griffiths (agora um dos membros veteranos da Faculdade de Inglês) estava iniciando seu trabalho como professora de língua inglesa; foi uma pupila minha e era amiga da família. Emprestei-lhe o texto datilografado de O Hobbit. Ela emprestou-o a Susan Dagnall, uma pupila dela, que vivia no albergue. Susan emprestou-o a Rev. Madre para diverti-la durante uma convalescença por causa de uma gripe. Se a divertiu ou não, eu nunca soube, de modo que ela é um desvio na viagem do ms. Nenhum dos empréstimos, a Susan ou a Rev. Madre, foram autorizados por mim — não achava o ms. importante —, mas provaram ser a base de minha boa sorte ao ligar-me com a Allen and Unwin. Sempre fui imerecidamente afortunado em pontos principais. (Carta 294, para Charlotte e Denis Plimmer, 8 de fevereiro de 1967).
Embora figuras femininas não fossem o ponto alto de o Hobbit, já que se trata de uma história de aventura de um hobbit e anões, a ideia de publicação do livro passou inicialmente por três mulheres adultas que gostaram: Elaine Griffiths, Madre St. Teresa Gale e Susan Dagnall. De fato, o único homem que havia lido o Hobbit antes de sua publicação foi o C.S. Lewis. Ao ser publicado, o livro teve uma análise feita por Lewis que foi publicada em jornais de renome e assim o livro alcançou o seu sucesso merecido.
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:
ANDERSON, Douglas A., ed.The Annotated Hobbit. Revised Edition. Harper Collins. London, 2003.
CARPENTER. Humphrey, J.R.R. Tolkien, uma biografia, Martins Fontes, 1992.
HAMMOND, Wayne G. SCULL, Christina, J.R.R. Tolkien Companion and Guide, Reader’s Guide, HarperCollins, Londres, 2006.
______________________________,J.R.R. Tolkien Companion and Guide, Chronology, HarperCollins, Londres, 2006.
_______________________________Addenda and Corrigenda to The J.R.R. Tolkien Companion and Guide (2006), Vol. 1: Chronology. Disponível em: “http://www.hammondandscull.com/addenda/chronology_by_date.html”. Acessado em: 24 de junho de 2017.
TOLKIEN, J.R.R. As Cartas de J.R.R. Tolkien, Arte e Letra, Curitiba, 2006.
TOLKIEN, John e Priscilla. The Tolkien Family Album. HarperCollins, Londres,1992.
Website: http://www.st-annes.ox.ac.uk/about/history/founding-fellows/m-elaine-griffiths
[1] “When I was a young graduate, Professor Tolkien lent me his = not manuscript, but beautifully typed copy of The Hobbit. He had a fascinating typewriter with an italic script, and I thought it was wonderful and read it with enormous pleasure. And quite a time afterwards, somebody I had known when she was an undergraduate who was working for Allen & Unwin, came to me and wanted something, I’ve forgotten what, and I said, “Oh Susan, I don’t know it or can’t get it, but I’ll tell you something, go along to Professor Tolkien and see if you can get out of him a work called The Hobbit, as I think it’s frightfully good.” (ANDERSON, p.12)
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