By Eduardo Stark
O prefácio de O Senhor dos Anéis deixa bem claro várias intenções de Tolkien sobre sua obra máxima. Segue uma breve análise desse trecho.
O Senhor dos Anéis foi lido por muitas pessoas desde que finalmente foi lançado na forma impressa, e eu gostaria de dizer algumas coisas aqui, com referência às muitas suposições ou opiniões, que obtive ou li, a respeito dos motivos e do significado da história.
Com a publicação dos três volumes de O Senhor dos Anéis Tolkien passou a receber diversas cartas de seus leitores. Foi assim que ele teve a noção do que o seu público pensava a respeito de sua obra. Muitos apresentavam interpretações que o autor jamais havia imaginado ou mesmo encontravam suposições de que ele teria utilizado determinadas fontes. Se tornou quase uma necessidade colocar no prefácio do livro maiores explicações sobre sua obra, a fim de evitar equívocos interpretativos que o desagradavam ou que pudesse prejudicar a melhor razão da obra.
O motivo principal foi o desejo de um contador de histórias de tentar fazer uma história realmente longa, que prendesse a atenção dos leitores, que os divertisse, que os deliciasse e às vezes, quem sabe, os excitasse ou emocionasse profundamente. Como parâmetro eu tinha apenas meus próprios sentimentos a respeito do que seria atraente ou comovente, e para muitos o parâmetro foi inevitavelmente uma falha constante.
O motive principal é proporcionar ao leitor uma boa leitura. Que fosse tão divertida quanto foi para o autor. Ao escrever suas história Tolkien passa por um processo de entretenimento pessoal. È como se fosse algo privado e que ele então compartilha com outras pessoas. Nessa escrita ele coloca tudo aquilo que entende como sendo agradável, belo, desagradável, feio etc. A escolha do que seria introduzido na história passa por seu crivo pessoal.
Certamente que o pedido do editor da George Allen e Unwin para que ele escrevesse uma continuação do livro o Hobbit teve peso na decisão de Tolkien em escrever O Senhor dos Anéis. Mas se levar em consideração que ele passou longos doze anos escrevendo o livro e só conseguiu levar ao final graças ao incentive moral de Christopher Tolkien e C.S. Lewis, o pedido do editor foi um motive inicial, não o principal.
Motivo financeiro:
Inicialmente poderia se imaginar que o início da ideia de escrever um livro seria a busca por um sucesso financeiro. Ou seja, obter um lucro razoável com a venda dos livros. De fato Tolkien era um professor em Oxford e isso, naquela época, não era sinônimo de um bom salário. Contudo, o motive para escrever o livro não parece ter sido esse, uma vez que chegou a afirmar não ter pensado em publicar o Hobbit. Conforme ele comentou em entrevista ao The Telegraph em 1966 “Eu nunca esperei um sucesso financeiro. De fato, eu nunca nem mesmo pensei em uma publicação comercial quando eu escrevi O Hobbit nos anos trinta”.
Motivo acadêmico:
Não seria estranho pensar que um professor poderia escrever livros com finalidades acadêmicas. Ocorre que não foi essa pretensão do autor, muito embora hoje em dia existam diversas obras e teses a respeito de suas obras como fenômeno literário.
Em entrevista concedida para Henry Resnick, em 2 de março de 1966, o professor foi questionado se ele “acha que suas obras deveriam ser ensinadas nas escolas ou em qualquer outro lugar”. A resposta de Tolkien foi bem clara e objetiva, além de demonstrar uma cerca humildade intelectual, pois ele não via sua obra como digna o suficiente para ser estudada em escolas. A resposta foi a seguinte: “Não. Eu sou contra isso. Acho que muito dano é feito para a literatura em torná-lo um … método de educação, mas não tenho certeza sobre isso”.
Motivo alegórico:
Tolkien tinha um verdadeiro asco em relação a literatura alegórica e talvez por ser algo tão comum na interpretação de seus leitores que ele dedicou grande parte do prefácio a desmistificar e explicar que sua obra não é uma alegoria. Afirmando “O livro não é nem alegórico e nem se refere a fatos contemporâneos” ele mostra que o propósito do livro não é alegórico. Mais adiante será analisado com detalhes esse aspecto.
Motivo religioso:
O professor Tolkien foi um católico devoto, do tipo que não se sentia confortável com o Concílio Vaticano II, em especial quanto ao abandono do uso do latim nas missas. Ele se confessava regularmente e tinha vários amigos que eram padres, além do fato de que seu filho mais velho, John Tolkien, foi um padre jesuíta.
Muitos leitores poderiam acreditar que o autor pretendia colocar mensagens religiosas nos seus livros. Tal como C.S. Lewis havia feito em Crônicas de Nárnia. Contudo, essa ideia não era do agrado de Tolkien.
No prefácio de O Senhor dos Anéis ele não mencionou sua religião para justamente evitar esse tipo de interpretação dos seus leitores. Isso por que a ideia principal de seus livros era que se tratava de um mundo que ainda não havia conhecido o cristianismo, como ele afirma em carta para Hougthon Mifflin, em 5 de junho de 1955 “sou um cristão; mas a “Terceira Era” não era um mundo cristão”.
A ideia é que o mundo em que ocorre as histórias é como se fosse um passado mitológico de nosso próprio mundo. Não que as histórias de O Silmarillion contradizem a própria criação descrita no Gênesis bíblico. Elas são na verdade uma visão dos elfos sobre o inicio de tudo e as aventuras que aconteceram em uma época antidiluviana. Dessa forma, são antes do surgimento de Jesus Cristo (que viria a surgir no primeiro ano da sexta era do sol) e por isso a terra-média estava em um mundo pré-cristão. (sim, Jesus existe no mundo secundário de Tolkien, mas ele não é ‘representado’ por Frodo, Gandalf ou Aragorn – em breve irei escrever um artigo só sobre esse tema para esclarecer).
Justamente por ser um católico devoto é que ele não se atreve a tecer ideias relacionadas a religião em suas obras. Isso por que ele acreditava que apenas pessoas preparadas para realizar análises teológicas é que poderiam assim proceder. Ou seja, apenas os membros do clero católico podem apresentar uma visão religiosa, o que é chamado de magistério da Igreja Católica.
Motivo político:
O Senhor dos Anéis não é uma obra de critica política. Não pretende mostrar algum sistema político ou influenciar os leitores a alguma conclusão nesse aspecto. Muito embora exista uma disputa de poderes, batalhas e conceitos de liberdade e autoritarismo, a obra não tem a pretensão de convencer alguém a algo nesse âmbito. Até por que a guerra é algo tão comum nas histórias humanas desde os primórdios.
A atribuição mais comum a sua obra é que seria uma alegoria a segunda guerra mundial e uma critica a Adolf Hitler ou mesmo a bomba atômica com sendo o Um Anel. Mas novamente Tolkien escreve em seu prefácio os esclarecimentos de que, mesmo tendo vivido entre guerras, ele não sofreu uma influência direta nas suas obras, mas admite uma influência indireta, já que nenhuma pessoa consegue dissociar suas experiências pessoais de sua obra.
Em uma afirmação categórica Tolkien resume sua ideia no seguinte:
“Ela [a obra] não é “sobre” coisa alguma além de si mesma. Certamente ela não possui intenções alegóricas, gerais, particulares ou tópicas, morais, religiosas ou políticas”. (Carta 165, Para Houghton Mifflin Co, em 5 de junho de 1955).
Parâmetros de Tolkien
Mas é importante ressaltar que os aspectos religiosos, moral e político da obra podem ser encontrados na escolha de parâmetros. Com base em sua vida pessoal e aquilo que ele achava ser agradável é que a história foi construída, como atesta no parágrafo mencionado “Como parâmetro eu tinha apenas meus próprios sentimentos a respeito do que seria atraente ou comovente, e para muitos o parâmetro foi inevitavelmente uma falha constante”.
E é nisso que se encontra o aspecto religioso da obra de Tolkien. Não em relação a interpretação de sua obra, mas analisando os seus gostos pessoais de estética, música poesia e cultura.
É nesse ponto que a autor chegou a afirmar que sua obra é “fundamentalmente católica”. Como exemplo Tolkien enxerga a música dos elfos como o canto gregoriano, ou escreve os livros como manuscritos antigos há muito perdidos, mas com relatos de testemunhas dos acontecimentos (tal como na Bíblia). Ou enxerga aspectos de estética em Galadriel semelhantes a Maria, mãe de Jesus. Da mesma forma, ele escolhe elementos que o agradam das antigas histórias nórdicas e também tragédias gregas (como na história de Túrin Turambar e a mitologia de Kullervo do Kalevala).
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