by Eduardo Stark
O objetivo do presente texto é apresentar aspectos biográficos. Como Tolkien conhece as obras de Chesterton e como ele se relacionou com elas ao longo de sua vida. Não foi realizado uma análise das obras de Chesterton a ponto de evidenciar influências em relação a Tolkien, algo que poderá ser abordado em outra oportunidade.
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Em novembro de 1904, Mabel Tolkien, a mãe de J.R.R. Tolkien estava muito doente e isolada de sua família. Ela contava com os cuidados de um jovem padre jesuíta, Pe. Francis Xavier Morgan, que cuidava do oratório de Birmingham. Infelizmente Mabel não resistiu e faleceu em no décimo quarto dia do mesmo mês.
J.R.R. Tolkien e seu irmão Hilary Tolkien se tornaram órfãos, já que seu pai havia falecido na áfrica do sul alguns anos antes. Foi assim que o Pe. Francis Morgan decidiu que seria sua responsabilidade a criação dos dois meninos e se tornou desde então o tutor.
Tolkien considerava o Pe. Francis como um segundo pai e dele obteve muitos costumes pessoais. Como exemplo, o hábito de fumar cachimbo, algo que Tolkien conservou por toda a vida e até mesmo inclui entre seus personagens hobbits. Alguns interpretam a figura de Gandalf como se fosse a representação do Pe. Francis na história do Senhor dos Anéis ou o elfo Thingol em o Silmarillion. Contudo, Tolkien negava qualquer introdução de aspectos de sua vida nas histórias.
Mas além do cuidado paternal, Pe. Francis Morgan foi também um influenciador em aspectos literários, sobretudo nos ensinamentos cristãos. Era praticamente obrigatória a presença de Tolkien nas missas que o seu tutor ministrava.
E foi dentro dos ensinamentos de Pe. Francis que muita literatura foi apresentada ao então jovem Tolkien. Era bem comum os longos encontros do clérigo e seu pupilo, em que fumaças de cachimbo tomavam conta da sala e as conversas eram voltadas para a teologia e obras como a do autor G.K. Chesterton.
Gilber Keith Chesterton (1874-1936) é um renomado escritor, jornalista, poeta e cronista. Suas obras influenciaram diversos escritores posteriores, entre eles C.S. Lewis, J.R.R. Tolkien e Charles Willians. Embora tenha iniciado sua vida religiosa como anglicano, Chesterton se tornou católico e suas obras evocam a defesa dessa igreja.

G,K. Chesterton
As primeiras leituras de Oxtodoxia e Heréticos
Em 1905, um ano após o falecimento da mãe de Tolkien, G. K. Chesterton publicou o livro Heréticos (Heretics) e alcançou um razoável sucesso em sua época. Ele já havia publicado diversos artigos e também um livro no ano anterior intitulado “The Napoleon of Notting Hill”
No ano de 1908 foi lançado o novo livro de Chesterton chamado Ortodoxia (Orthodoxy). O sucesso do livro perdura até o presente momento entre aqueles que buscam estudos aprofundados sobre apologética cristã.
Como parte de sua formação, Tolkien começou seus estudos na King Edward’s School para anos mais tarde começar os estudos em Oxford. Foi justamente no outono de 1908 que o autor de o Hobbit teve contato com os livros de Chesterton ao tomar emprestado da biblioteca da escola o Ortodoxia e Heréticos[1].
O jovem de 16 anos parecia empolgado com uma nova forma de entender a sua religião e certas ocasiões debatia com seus amigos e com o Pe. Francis Morgan sobre os livros de Chesterton. O estudo dessas obras trouxeram novas ideias que seriam incorporadas em seu legendarium.
A Balada do Cavalo Branco
Em 1911, G.K. Chesterton publica “The Ballad of the White Horse” (A Balada do Cavalo Branco). Nesse longo poema, escrito em forma de balada, o autor explora a história do Rei Saxão Alfred, o Grande. Essa obra tem sido referenciada como o último grande épico tradicional escrito em língua inglesa. O poema narra como o Rei Alfred conseguiu derrotar a invasão dos Danos (Vikings) na Batalha de Ethandun.
Certamente Tolkien deve ter lido a balada em sua época de estudante, tendo adquirido o livro ou feito empréstimo na biblioteca da escola.
Chesterton incorporou aspectos de filosofia e religião na estrutura básica da história. O acadêmico Christopher Clausen, em seu ensaio “The Lord of the Rings and The Ballad of the White Horse,” alega que O Senhor dos Anéis sofreu forte influência da Balada escrita por Chesterton, em especial a estrutura da obra.[2]
Os argumentos de Christopher Clausen parecem ser verdadeiros na medida em que no período de escrita de O Senhor dos Anéis, Tolkien passava por uma análise da Balada do Cavalo Branco. Ele havia refeito sua leitura para auxiliar sua filha, Priscilla Tolkien, que estava lendo a balada, exatamente em 3 de setembro de 1944. Durante a semana que seguiu ao longo de várias noites os dois debatiam o poema e Tolkien tentava explicar as partes mais obscuras dele.[3]
Contudo, uma carta de Tolkien para seu filho Christopher revela que o gosto de Tolkien mudou em relação a balada de Chesterton:
P[riscilla]…. tem penado com A Balada do Cavalo Branco nas últimas noites; e meus esforços de explicar as partes mais obscuras a ela me convencem de que a história não é tão boa como eu pensava. O final é absurdo. O brilhante impacto e o fulgor das palavras e das expressões (quando se destacam e não são apenas meras cores berrantes) não podem encobrir o fato de que G. K. C. nada sabia sobre o “Norte”, pagão ou cristão. (Carta 80, de um aerógrafo para Christopher Tolkien, 3 de setembro de 1944).
Isso revela que os estudos aprofundados de Tolkien o tornaram mais clinico em relação a cultura nórdica a ponto de ver as referências e pontos que pudessem estar presentes em qualquer obra. Uma série de erros encontrados e o final mal escrito levaram Tolkien a concluir que Chesterton conhecia pouco sobre a cultura nórdica ou cristã daquela época medieval.
O grupo “Apolausticks”
Em seu tempo de estudante na King Edward’s School,Tolkien fez vários amigos e grupos de estudos e debates.Chegou a participar de um grupo denominado T.C.B.S., em que participavam amigos próximos. Mas Tolkien queria um grupo como esse entre seus colegas e foi assim que teve a ideia de fundar o grupo “Apolausticks”.[4]
O “Apolausticks” era um grupo inicialmente informal entre os estudantes que se reuniam para debaterem temas literários e as vezes beber cerveja, ao bom estilo hobbitesco. Em janeiro de 1912, Tolkien é identificado como o primeiro presidente desse grupo e não foi por acaso que no mês seguinte, em 24 de fevereiro, ocorreu um encontro no salão O.O. Staples, as oito horas da manhã, com a finalidade de discutir G.K. Chesterton e George Bernard Shaw.[5]
O empenho em discutir sobre Chesterton nesse grupo sob a direção de Tolkien demonstra o quanto ele admirava o escritor.

Grupo Apolausticks, com o jovem Tolkien, o segundo sentado na cadeira a direita
O possível encontro de Tolkien com Chesterton em Oxford
Com o passar do tempo, Tolkien iniciou seus estudos na Universidade de Oxford e as leituras dos livros de Chesterton eram constantes na medida em que novos livros eram lançados.
Em 16 de Maio de 1914, G.K. Chesterton realizou uma palestra, as cinco e meia da tarde, na Oxford Examination Schools. O tema era sobre “Romance”, onde Chesterton mostrava a importância da escrita e da imaginação como algo mais realista que as outras formas de pensamento. O tema se torna relevante em especial quanto aos aspectos levantados no livro Heréticos.[6]
Não há dados que informam um encontro entre Tolkien e Chesterton e uma conversa entre os dois. Pois naquela época Tolkien era um mero estudante em meio a vários outros que se empolgavam com as ideias do renomado Chesterton. Mas há indícios de que Tolkien havia se empolgado tanto que no mesmo dia da palestra havia reescrito o poema Wood-sunshine, que havia sido composto em julho de 1910.
Nesse mesmo ano de 1914, Tolkien escreveu pela primeira vez um poema relacionado ao seu legendarium e escreveu textos sobre a mitologia do Kalevala, que hoje foram reunidos e publicados no livro “A História de Kullervo”, que foram o germe para seu legendarium.
O vinculo com Chesterton após 1936
Em 14 de julho de 1936 faleceu G.K. Chesterton. Provavelmente chegou ao conhecimento de Tolkien por meio da leitura dos jornais que costumava ler logo pela manhã. Após isso, o autor de O Senhor dos Anéis sempre esteve constantemente estudando as obras de Chesterton e tendo sempre debates e estudos sobre temas relativos a ele até o final de sua vida.
Em novembro de 1938 foi publicado o livro póstumo The Coloured Lands de Chesterton, que Tolkien adquiriu logo após o lançamento e o utilizou em seu ensaio “Sobre Contos de Fadas” apresentado em 8 de março de 1939.[7]
De acordo com George Sayer, Tolkien tinha quase todos os livros de Chesterton em sua biblioteca pessoal, além de conhecer muito bem sua obra, como exemplo sabia muito bem os versos de “The Flying Inn (1914)” o bastante para conseguir recitá-los.[8] Priscilla Tolkien, afirmou também que seu pai era “aprofundado nos trabalhos de Chesterton e Hillaire Belloc”.[9]
Eram constantes as conversas entre os Inklings sobre algo escrito por Chesterton. Um exemplo dessa aproximação com esse autor ocorreu em 4 maio 1953, quando C.S. Lewis, seu irmão Warne e Harvard encontraram com Tolkien pensaram em escutar o programa na rádio “The Man Who was Thursday” de Chesterton, mas no momento final decidiram fazer outra coisa. [10]
Cronologia:
1905 – G.K. Chesterton publica o livro “Heréticos”.
1908 – G.K. Chesterton publica o livro “Ortodoxia”. No outono de 1908 Tolkien começa a ler os livros Ortodoxia e Heréticos, emprestados da biblioteca da King’s Edward School.
1911 – G.K. Chesterton publica “The Ballad of the White Horse” (A Balada do Cavalo Branco).
1912 – Em janeiro é fundado o grupo “Apolausticks” com direção de J.R.R.Tolkien. Em 24 de fevereiro, ocorreu um encontro no salão O.O. Staples, as oito horas da manhã, com a finalidade de discutir G.K. Chesterton e George Bernard Shaw
1914 – Em 16 de Maio, as cinco e meia da tarde, G.K. Chesterton realiza uma palestra sobre Romance na Oxford Examination Schools. Provavelmente Tolkien estava presente.
1936 – Em 14 de julho falece G.K. Chesterton.
1938 – The Coloured Lands de Chesterton é publicado.
1939 – Em 8 de março acontece a palestra “Sobre Contos de Fadas” de J.R.R. Tolkien em que cita Chesterton.
1944 – Em 3 de setembro de 1944 Tolkien envia uma carta para seu filho Christopher e menciona estar analisando a Balada do Cavalo Branco de Chesterton junto com sua filha Priscilla.Tolkien percebe que não gostou muito do estilo da balada.
1953 – Em 4 de maio C.S. Lewis, Warnie, Harvard e Tolkien se encontram para decidir se vão escutar o programa na rádio “The Man Who was Thursday” de Chesterton.
[1] The J.R.R. Tolkien Companion & Guide I,, Wayne G. Hammond, Christina Scull, p.13.
[2] Christopher Clausen, “The Lord of the Rings and The Ballad of the White Horse,” South Atlantic Bulletin 39, no. 2 (1974): “In its fundamental conception, as well as in many of the significant details of its working out, Lord of the Rings is heavily indebted to G.K. Chesterton’s now little read poem of 1911, The Ballad of the White Horse. . . . The major theme of both works is the war and eventual victory, despite all odds, of an alliance of good folk against vastly more powerful forces of evil, and the return of a king to his rightful state”.
[3] The J.R.R. Tolkien Companion & Guide,I, Wayne G. Hammond, Christina Scull, p.277.
[4] John Garth (2014), Tolkien at Exeter College, pp. 13-15
[5] The J.R.R. Tolkien Companion & Guide,I, Wayne G. Hammond, Christina Scull, p.32.
[6] Idem. p.52.
[7] Idem. p.223.
[8] Idem. p.158.
[9] The J.R.R. Tolkien Companion & Guide,II, Wayne G. Hammond, Christina Scull, p.820.
[10] Idem. p.399.
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