Eduardo Stark
Constantemente verifico em redes sociais que os fãs dos filmes de Peter Jackson declaram verdadeiros absurdos em relação a figura de Christopher Tolkien, filho e herdeiro literário de J. R. R. Tolkien. Algumas dessas pessoas o acusam de ser um explorador da obra de seu pai, outros dizem que ele é uma pessoa amarga e alguns chegam ao ponto de extrapolar desejando sua morte (esperando que depois venham filmes do Silmarillion).
Tudo isso por que o filho de Tolkien disse que não gostou dos filmes do Peter Jackson e que não iria vender os direitos para novos filmes de qualquer obra. (ele segue os ensinamentos de seu pai sobre adaptações. Veja mais AQUI).
Essas declarações geralmente vem de pessoas que não são leitores de Tolkien e provavelmente só assistiram os filmes de Peter Jackson. Qualquer um que tenha um mínimo de aprofundamento quanto aos livros pode perceber que o Christopher Tolkien contribuiu muito para boa parte do que temos hoje sobre o professor J. R. R. Tolkien.
Evidente que desejar ter novos filmes e novas coisas relacionadas a obra de Tolkien é algo perfeitamente natural e que é até inevitável para quem é fã do professor. Mas fazer declarações desagregadoras ou ofensivas contra o filho do escritor que se gosta só por que ele não concorda com a ideia de vender os direitos é algo deplorável.
A intenção desse texto é justamente apresentar os argumentos para algumas dessas declarações a fim de mostrar a relevância de Christopher Tolkien para quem é leitor de Tolkien e todos os seus fãs.
Christopher como herdeiro literário de Tolkien
Logo após a morte de J. R. R. Tolkien em 2 de setembro de 1973, o testamento do escritor foi aberto e lá ele ditava os termos de como deveriam ser administrados os direitos e os seus escritos.
O professor Tolkien teve quatro filhos. John Tolkien, Michael Tolkien, Christopher Tolkien e a Priscilla Tolkien.
Algumas pessoas podem pensar que Tolkien iria escolher seu filho mais velho para cuidar desses direitos. Contudo, ele escolheu seu terceiro filho. Foi uma escolha direta e clara, pois havia muita confiança no que o Christopher Tolkien poderia fazer e segundo o próprio Tolkien esse era o filho que mais entendia sobre os seus escritos.
Então, Tolkien não escolheu aleatoriamente o administrador de seu espólio. Ele escolheu Christopher Tolkien justamente por entender que ele iria cuidar bem de tudo o que tinha escrito.
Tolkien deixou essa aproximação bem clara em suas cartas, quando ressaltou que o Christopher Tolkien tinha opiniões importantes sobre a obra o Senhor dos Anéis:
“Este livro [o Senhor dos Anéis] veio a ser mais direcionado a você, de modo que sua opinião importa mais do que a de qualquer outro” De J.R. R. Tolkien para Christopher Tolkien (carta 78)
No testamento de Tolkien inclusive há a possibilidade de que se caso Christopher Tolkien desejasse, poderia simplesmente destruir todos os manuscritos encontrados.
O sucesso literário de O Senhor dos Anéis e o Hobbit é tamanho que esses livros estão entre os mais vendidos na história da humanidade. A família Tolkien tem direito a 40% dos lucros desses livros. Christopher Tolkien poderia simplesmente viver uma vida confortável e delegar os manuscritos para alguém que ele julgasse capaz de fazer as edições. Mas ao invés disso, ele preferiu fazer todo o trabalho de editar e comentar os manuscritos.
Mas mesmo tendo publicado a série de 12 livros (chamada História da Terra-média), sobraram muitos manuscritos, especialmente sobre as línguas dos elfos, que poderiam também formar novos livros. Foi então que ele delegou de forma gratuita a um grupo de linguistas e fãs de Tolkien a possibilidade de trabalhar com esse material e publicar em periódicos dedicados aos fãs.
Durante a vida de Tolkien foram publicados apenas 10 livros. Os mais conhecidos são O Senhor dos Anéis e o Hobbit. Todos os outros mais conhecidos como o Silmarillion, Contos Inacabados, Filhos de Húrin foram editados pelo Christopher Tolkien.
Se ao editar os livros o filho de Tolkien quisesse realmente fazer lucro, ele poderia editar muito mais livros divididos em partes. Por exemplo, formaria um livro apenas com o primeiro capítulo de Contos Inacabados (De Tuor e sua chegada a Gondolin), tal como os editores alemães fizeram e outros livros com cada parte, preenchidos com comentários etc. Assim, os 12 livros do História da Terra-média poderiam ter sua quantidade dobrada.
Mas o que move os critérios das edições dos livros não é a quantidade, mas a qualidade e a forma responsável de se editar e comentar os livros. Mostrando cada ponto com as devidas referências e análises sérias sobre os temas.
Há uma forte preocupação vinda dos descendentes de Tolkien de evitarem a exploração comercial exagerada das obras. Pois os escritos de Tolkien não foram feitos com essa visão. Em sua maioria foram produto de entretenimento pessoal do autor e de sua família.
A família Tolkien também se preocupou com a questão social. Priscilla Tolkien é formada em sociologia e sempre buscou tentar mudar a realidade de pessoas menos favorecidas no mundo.
Após a morte de Tolkien foi criada a Tolkien Trust, que é uma organização de caridade, que utiliza parte dos lucros dos livros para financiar orfanatos, universidades, bibliotecas etc.
Há uma vasta lista de beneficiados da Tolkien Trust que estão por exemplo a Cruz Vermelha, fundação de apoio a crianças com leucemia, Fundação Médica de cuidados a pessoas vitimas de torturas, Universidade de Oxford e várias organizações pelo mundo.

Christopher Tolkien com seu tradicional cachimbo Hobbbitesco.
Christopher Tolkien é uma pessoa amarga e solitária?
As declarações utilizadas geralmente são: Se Christopher Tolkien não gostou dos filmes ele é uma pessoa amarga. Ou, se Christopher Tolkien não vende os direitos dos filmes ele não se preocupa com as pessoas. E alguns chegam a sustentar que ele se isola do mundo e tem javalis em sua casa para espantar invasores. E por aí vai.
Quanto a saber como o Christopher Tolkien é em pessoa é muito complicado. Isso é restrito as pessoas que o conhecem. Mas baseado em informações que já conhecemos podemos ter uma ideia de alguns pontos.
1 – Christopher Tolkien foi membro dos Inklings (grupo de intelectuais que se reuniam em um pub de Oxford para discutir literatura) e lá ele tinha longas horas de conversas e os membros gostavam da forma como ele falava e lia os livros do Senhor dos Anéis ao lado de seu pai.
2 – Christopher Tolkien se casou e teve filhos e até netos.
3 – Durante vários anos de sua vida teve e ainda tem contato com vários fãs pelo mundo.
4 – Christopher Tolkien é filho de Tolkien. Então aqueles livros como Roverandom, Cartas de Papai Noel, Mr. Bliss, O Hobbit e outras histórias foram parte de sua infância.
5 – Quanto aos javalis, Christopher Tolkien já declarou que não tem esses animais em seu quintal. Mas que a região das florestas onde mora na França é que tem esses animais.
Enfim, é muito complicado afirmar coisas sobre a vida pessoal ou como é o caráter de Christopher Tolkien como pessoa. Até mesmo por que ele sempre evitou aparecer na mídia (pesquisando em nossas fontes a quantidade que ele apareceu nos jornais relevantes gira em torno de dez vezes em mais de quarenta anos).

Tolkien e Christopher 1928
Christopher Tolkien aproveitou do sucesso dos filmes para publicar novos livros?
Se você levar em consideração que o último livro editado por Christopher Tolkien foi em 1996, há um lapso de tempo até os Filhos de Húrin em 2007. Basicamente quase dez anos sem publicar um livro. Justamente entre o período de produção do filme 1997 e o lançamento das versões estendidas em 2004.
Certamente se ele tivesse o desejo de explorar a obra do seu pai na época dos filmes ele teria editado vários novos livros com os diversos manuscritos não publicados. Mas ele preferiu ter “longas férias” durante o período dos filmes e o só voltou a trabalhar em novos livros por volta de 2006 em diante.
Certamente que a editora oficial do Tolkien deve ter entrado em contato várias vezes pedindo ao Christopher Tolkien que publicasse algo nessa época dos filmes do Senhor dos Anéis. Mas o fato é que nada foi publicado de novo da parte dele até 2007.
Mas a visão de Christopher Tolkien com relação a publicação de livros em épocas dos filmes parece ter mudado conforme sua idade avançou. Tendo em vista que já está com idade avançada, 90 anos, ele não poderia esperar muito tempo após os filmes como fez outra vez. Então seus projetos foram adiantados. Assim os únicos livros publicados em um período que os filmes estavam em alta foram A Queda de Artur (2012) e o livro Beowulf tradução e comentários (2014).
Então se colocarmos a quantidade de livros publicados pelo Christopher Tolkien desde o inicio da produção dos filmes do Senhor dos Anéis até os filmes de O Hobbit temos quase vinte anos. E nesse período foram publicados apenas Os Filhos de Húrin (2007), A Lenda de Sigurd e Gudrun (2009), A Queda de Artur (2012) e Beowulf tradução e comentários (2014).
Se uma pessoa quisesse obter lucro aproveitando o sucesso dos filmes poderia publicar mais do que quatro livros ao longo de vinte anos certamente.
O processo contra a New Line Cinema foi só para a família Tolkien ganhar dinheiro?
Em 2008 a Tolkien Estate processou a New Line Cinema. O processo exigia o pagamento de cerca de 80 milhões de dólares em razão da quebra de contrato. Enquanto o processo não fosse resolvido, os filmes de O Hobbit não poderiam ser feitos.
Basicamente, quando Tolkien vendeu os direitos dos filmes no contrato previa que ele e seus herdeiros teriam o direito de receber 7% dos resultados dos lucros dos filmes.A New Line e as empresas responsáveis não repassaram um centavo se quer até 2008. Então os advogados fizeram seu dever de processar a empresa.
Caso semelhante também aconteceu com o próprio Peter Jackson que também processou a New Line por não ter pago o que era devido. E isso resultou na impossibilidade do diretor trabalhar em um filme de O Hobbit e assim foi escolhido o diretor Guilherme Del Toro.
Além do Peter Jackson, um grupo de 15 atores coadjuvantes iniciaram um processo contra a New Line buscando receber cerca de 100 milhões de dólares, resultantes do que estava previsto no contrato.
Enfim, parecia que a New Line não costumava honrar os contratos que realizava.
E quanto ao processo da Tolkien Estate? Bem, a família Tolkien e a New Line fizeram um acordo em 2009. O filme do Hobbit foi liberado e a família Tolkien recebeu o valor de 24 milhões de dólares.
Esse dinheiro recebido pelos direitos dos filmes foi integralmente doado para a instituição de caridade The Tolkien Trust. Ou seja, o dinheiro não ficou com os membros da família Tolkien, pois foi doado para a instituição de caridade que eles sustentam. Muito embora a família Tolkien não divulgasse essa informação e apenas quem tem acesso aos documentos da Tolkien Estate verificou esse fato (felizmente temos acesso a esses documentos).

Christopher Tolkien, herdeiro literário de J.R.R. Tolkien
Basta dar muito dinheiro para Christopher Tolkien vender os direitos do Silmarillion?
Pelos exemplos acima, pode perceber que não são questões financeiras que ditam as vontades do Christopher Tolkien e os membros da família Tolkien. São questões de princípios evitarem fazer da obra de Tolkien uma máquina de ganhar dinheiro inesgotável. Tem que se levar em conta que Christopher Tolkien é um senhor de 90 anos de idade e que dificilmente muda de opinião.
Como dito, a família Tolkien tem direito a 40% dos lucros dos livros de O Senhor dos Anéis e o Hobbit. E ainda 7% dos lucros dos filmes dessas obras. Tendo em vista que são considerados entre os livros mais vendidos da história da humanidade, e os filmes tiveram um tremendo sucesso financeiro. É evidente que a família Tolkien não precisará de dinheiro por um longo tempo.
Tolkien era um católico praticante. E foi capaz de transmitir os valores para os filhos dentro dessa visão religiosa.Tanto é que seu filho mais velho se tornou padre. Assim, prevalece entre os filhos de Tolkien a visão de que o lucro explorador ou desenfreado não é bom. Ou seja, não se pode vulgarizar o trabalho de Tolkien visando o simples lucro decorrente do seu sucesso.
Além disso, vários empresários já tentaram oferecer propostas de altos valores para o Christopher Tolkien. Maletas e maletas de dinheiro vivo e propostas altamente generosas. Mas simplesmente o filho do escritor do Hobbit se recusa a se quer negociar a venda desses direitos, até o momento.
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