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Como é “Tolkien Brasil” em élfico Quenya?

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by Eduardo Stark

Em se tratando de tradução de palavras normalmente se consultaria um dicionário da língua Quenya. Contudo, não existe um livro completamente escrito por Tolkien e consolidado que pode ser chamado de dicionário. Existem rascunhos com palavras e seus significados e anotações em cadernos e folhas avulsas, o que evidentemente acaba dificultando o processo de tradução. Aliado a isso, nem todas as palavras encontradas em listas feitas por Tolkien podem ser consideradas como sendo “válidas”. Isso porque o autor escreveu diversas palavras e conforme os anos foram passando acabou abandonando algumas delas. Ou seja, uma palavra que era considerada como sendo em Quenya, passou a ter um significado diferente ou mesmo foi excluída como parte da língua.

É por isso que existem períodos do idioma que os estudiosos das línguas tolkienianas separaram em três: Quenya inicial (escrito no período dos anos iniciais do legendarium 1914-1930), Quenya médio (período entre 1930-1950) e Quenya tardio ou Quenya autêntico (1950-1973). Com as palavras de cada período é possível fazer uma série de análises linguísticas que podem ser tão empolgantes quanto uma língua de nossa realidade.

Por serem períodos em que o Quenya estava sendo desenvolvido, o Quenya Inicial e o Quenya médio não são considerados como sendo propriamente parte do legendarium, salvo em casos específicos. Portanto, o que pode ser considerado como sendo o Quenya falado pelos elfos conforme o legendarium de Tolkien escrito na época do Senhor dos Anéis é o chamado Quenya tardio.

Tolkien não terminou a criação do Quenya. Ou seja, ele não formou um vocabulário completo, com um número significativo de palavras. Nem mesmo uma gramática organizada com todas as regras necessária de uma língua. É por isso que uma parte significativa de estudiosos da língua não admitem a possibilidade de se usar o Quenya como uma segunda língua, ao estilo do Esperanto. (veja mais AQUI ). Porém, contrariando essa corrente existe aqueles que acreditam ser possível extrair das palavras e frases existentes todo (ou boa parte) do complexo de uma língua. A esse tipo de estudo linguístico é dado o nome de “neo-élfico”, especificamente o “Neo-Quenya”.

Como o Tolkien não escreveu o nome “Brasil” em Quenya, será necessário fazer uma tradução da palavra e usar algumas análises do Neo-élfico. Um dos maiores problemas do Neo-élfico é a ausência de consenso, uma vez que não existem parâmetros concretos em alguns pontos. Assim, como já ressaltado, escrever algumas palavras em Quenya pode ser objeto de longos debates e correntes de ideias sobre sua real aplicação ou forma mais aproximada com a intenção de Tolkien. Contudo, quase sempre sem uma conclusão categórica, já que Tolkien não está mais entre nós para encerrar tais questões.

Para formar um consenso, ao menos entre os nomes conhecidos, consultamos Helge Fauskanger, autor do livro “Curso de Quenya”, Edouard Kloczko, autor do livro “Le Haut Elfique pour lês debutantes” e Erunno Alcarinollo (pseudônimo) do site Quenya 101.

Existem diversas lendas e histórias sobre como o Brasil ganhou esse nome. Inicialmente os primeiros portugueses que chegaram apelidaram a região de “Terra de Vera Cruz” ou “Ilha de Vera Cruz”, porém o nome não se tornou popular e aos poucos foi sendo abandonado. A região passou a ser chamada desde o início como “Brasil”. Inicialmente por causa de um rio e depois como o nome do próprio local. Uma árvore com tonalidade vermelha interna foi chamada de “Pau-Brasil” e assim, ao que parece, o nome foi se popularizando. Essa é a origem mais reconhecida entre historiadores, tendo em vista textos da época.

Contudo, existe a lenda da ilha de Hy-Brasil, mais antiga que a data em que os Portugueses encontraram a região. Nessa lenda, existe uma ilha mágica, ou abençoada, onde há uma farta natureza e beleza e existe um rio vermelho que passa por ela, ou mesmo um grande vulcão. Alguns atribuem a ser essa a origem verdadeira do nome Brasil, como sendo a ilha que se localiza justamente a oeste da Europa no atlântico.

Se a origem do nome é resultado do Pau-Brasil ou da ilha Hy-Brasil, não será objeto de análise nesse texto. O que se procura inicialmente é o significado da palavra “Brasil”. Assim deve ser observado o que ela quer dizer, etimologicamente, e ser feita a tradução para o Quenya. Contudo, tendo em vista que a origem mais aceita está relacionada com o Pau-Brasil, será considerado o significado de Brasil como sendo “brasa”.

 

O nome “Tolkien” em Quenya

Em 1968 Tolkien foi protagonista de um documentário feito pela BBC chamado “Tolkien in Oxford” e nessa oportunidade ele escreveu “Arcastar Mondósaresse” que é traduzido como “Tolkien in Oxford”. Então “Arcastar” é basicamente o mesmo que “Tolkien”. Não há controvérsia sobre o nome em Quenya, pois o próprio autor da língua o escreveu em uma época pós-Senhor dos Anéis.

Quanto ao significado de “Arcastar”, não existe uma definição concreta, porém o significado não se torna necessário para essa análise, uma vez que o nome foi reconhecido por Tolkien. Especula-se que seja o mesmo significado da palavra “Tolkien” que o próprio entendia como sendo originária do germânico tollkühn “corajoso, ousado, estouvado”.

Ronald Kyrmse fez a transcrição do texto onde “Arcastar” aparece, e pode ser conferido abaixo:

Transcrição feita por Ronald Kyrmse.

O “Brasil” da Ilha “Hy-Brasil”

Se fosse considerada a lenda de Hy-Brasil (também escrito como Brasail) a palavra não tem origens conhecidas, mas a tradição da lenda céltica traz a ideia que seria uma “ilha abençoada” ou “ilha sagrada” dentro das histórias de São Brandão.  Em se tratando do mundo de Tolkien a palavra equivale em médio Quenya a “Almaren”[1], que significa “lugar abençoado”, “terra sagrada”, e como se trata de uma ilha a ideia se torna bem parecida “Ilha de Hy-Brasil” e “Ilha de Almaren”, ambas significando “ilha abençoada”.

Interessante notar que nas histórias internas de Tolkien “Almaren” é uma ilha que no início dos tempos, abrigava os Valar e as lâmpadas. Era o centro da terra e seu terreno era plano e formal. Porém, com os ataques de Melkor as terras de Arda foram mudadas e a ilha foi destruída completamente. Contudo, os Valar se direcionaram para outro local chamado de “Aman”, que em Quenya quer dizer “Terra abençoada” (conforme VT 49, pp.26-27).

Assim, “Aman” está localizada em relação a Terra-média no mesmo lugar que a Ilha de Hy-Brasil estaria localizada em relação a Europa, a oeste do atlântico. Desse modo, se for levado em consideração para a tradução do nome “Tolkien Brasil” para o Quenya o resultado seria “Arkastar Aman”. Contudo, sabe-se que a América não é o mesmo local que os Valar habitavam propriamente, então a tradução não poderia ser considerada.

Earendil, arte de Ted Nasmith

O “Brasil” do “Pau-Brasil” e a palavra “Yúla” em Quenya médio

A origem do nome “Brasil” mais conhecida é que tem sua origem relacionada a árvore de pau-brasil (Caesalpinia echinata), chamada pelos índios de pernambuco, muito presente na mata atlântica no período colonial português, que foi assim chamado por causa da sua madeira avermelhada, da cor de brasa, daí a origem do nome Brasil.

Esse nome “brasa” parece estar enraizado nas línguas que tem descendência do povo Indo-Europeu. Assim várias palavras historicamente são colocadas dentro dessa análise. Em Pro-Indo-Europeu é o mesmo que *bʰres- (explodir, quebrar, queimar, crepitar). Dessa a palavra foi utilizada em duas vertentes a relacionada ao Latim e a línguas germânicas. Em Proto-Germânico *brasō  (brasa, crepitação de carvão), em dialeto Dinamarquês brase (“flamejar, inflamar”), Em Norueguês/Sueco braseld (“cintilante,fogo”), em dialeto Norueguês/Sueco brasa (“assar”) e em Islandês brasa (“queimando de fogo”). Quanto ao latim a palavra parece ter se mantido a mesma brasa e influenciou suas línguas derivadas como Espanhol e Português. Em Francês o desenvolvimento é diferenciado, e parece estar relacionado aos aspectos germânicos, pois em Francês Antigo é breze (brasa), Francês Médio bresze e o Francês moderno ficou braise (carvões vivos).

Uma vez definido o significado, agora passa-se a análise da palavra escrita por Tolkien que é o equivalente em significado de “brasa”.

Entre os anos de 1930 e 1950, Tolkien escreveu um conjunto de palavras de sua língua Quenya, que é chamado de “Etymologies” (Etimologias), que servem para explicar melhor as palavras que ele estava desenvolvendo em suas histórias. Esses textos foram publicados postumamente no livro “The Lost Road and Other Writings”, o quinto da série de doze volumes do History of Middle-earth, editado pro Christopher Tolkien.

Assim, a palavra em Quenya que significa “brasa” é “Yúla”, especificamente no verbete “YUL-“ conforme pode ser lido na página 400 do livro The Lost Roads:

YUL – ardente. Q yúla brasa, madeira ardente; yulme vermelho [coração], calor ardente; yulma marca ON iolf marca; iûl brasa.[2]

Assim, se utilizado a palavra “nóre” (país, nação, terra, raça)[3] como sufixo, e observado sua utilização em outras palavras como “Númenóre”, que simplificado fica “Númenor”, o mesmo utilizando Yúla, seria a palavra “Yúlanóre” que de forma simplificada seria “Yúlanor”

Porém, conforme afirmado por Helge Fauskanger “Yúlanóre (também em forma curta Yúlanor) pode estar correto. Contudo, é um fato complicado que Tolkien depois usou a raiz YUL com referência a ‘beber’ ao invés de ‘brasa’”.[4]

Deve ser notado que “Yúla” é uma palavra de uma fase em desenvolvimento da língua Quenya, escrito no período de 1930 a 1950. Ou seja, não se trata de algo definitivo e nem mesmo tardio na intenção de Tolkien. Enquanto que a raiz YUL, publicada no Parma Eldalamberon nº17 e também presente em O Senhor dos Anéis, no lamento de Galadriel, traz a palavra “Yulma” que significa “Copo, taça”, o que implicaria em dizer que “Yúla” estaria obsoleta para ser considerada como uma palavra em Quenya. Seria necessária a existência de outra palavra no Quenya tardio que substituísse a anterior, porém não existe uma palavra correspondente a “brasa”.

Tendo em vista a ausência da palavra em Quenya tardio, Erunno Alcarinollo entende que pode ser feita uma análise comparativa com a palavra “Cristo”, que foi colocado como “Hristo” em Quenya pelo próprio Tolkien, em sua tradução da Litania de Loreto (Ver. VT nº 44). Assim, ao traduzir “Brasil” o nome seria equivalente a “Hrasil” em Quenya. Embora seja uma ideia interessante, Helge Fauskanger entende que não seria apropriada uma tradução do nome nesse sentido.

De um modo diferente, para solucionar a questão, Edouard Kloczko apresenta em seu dicionário o verbete “Yúla” separado das outras palavras que derivam da raiz do Quenya moderno “YUL-“. Isso porque o acento agudo na letra “U” poderia fazer diferença entre as palavras. Enquanto que as palavras com mesma escrita, (“Yulma” por exemplo) são apresentadas como sendo homônimas, ou seja, escritas com a mesma grafia, mas com significados diferentes. Além disso, Kloczko entende que a raiz “YUL-“ embora traduzida como “drink” (beber) pode ser entendida também com o sentido de “consumir algo”, o que tornaria lógica a similaridade das palavras, pois a “brasa” é a madeira sendo consumida, enquanto que “beber” é a água sendo consumida.

Por todo o exposto, descartadas as divergências, é consenso que “Yúla” signifique “Brasa”, tendo em vista a ausência de outra palavra escrita pelo próprio Tolkien. Assim, a tradução de “Tolkien Brasil” para o Quenya a ser adotada é “Arcastar Yúlanor”.

ARCASTAR YÚLANOR pode ser transcrita em Tengwar de duas formas, que são consideradas aceitas:

 FORMA 1:

FORMA 2: 

 

Não se pode considerar uma como sendo correta e outra incorreta, pois não se pode impor necessariamente um padrão de escrita. Como afirma Helge Fauskanger: “A Terra-média é, afinal, um mundo pseudo-medieval sem línguas acadêmicas para impor rigorosamente a ortografia “correta”, por isso seria igualmente válidas muitas variações, assim como em nosso próprio mundo na Idade Média.[5]

Essa ausência de um parâmetro altamente confiável é que torna difícil uma tradução coerente e padronizada. Nesse texto é possível ver um pouco da complexidade das questões linguísticas tolkinianas, o que demonstra o quanto as obras de Tolkien são aprofundadas e interessantes a níveis acadêmicos.

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NOTAS:

[1] Embora seja uma palavra em seu estágio de desenvolvimento (ver. Lost Tales, p.357), Christopher Tolkien a manteve na sua edição de O Silmarillion, provavelmente observando a existência da palavra “almë” em Quenya tardio com o significado de “sorte, benção”, conforme PE 17, p.146. No entanto, Talvez por existir essa controvérsia em relação aos nomes que o editor não incluiu o significado de “Almaren” no Silmarillion de 1977.

[2] YUL – smoulder. Q yúla ember, smoudering Wood; yulme red [heart], smouldering heat; yulma brand. ON iolf brand; iûl embers.

[3] The Lost Roads, p.378.

[4]Yúlanóre (also shortened Yúlanor) should be correct. However, it is a complicating factor that Tolkien later used the root YUL with reference to ‘drinking’ instead of ‘embers’”.

[5] “Middle-earth is after all a pseudo-medieval world with no language academies to strictly enforce “correct” spelling, so there would be many equally valid variations, just like in our own world in the middle ages”.

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