
Earendil em seu barco branco…
by Eduardo Stark
Em 1915, o então jovem Tolkien estava terminando seus estudos universitários em Oxford e se via diante do início da Primeira Guerra Mundial. Mas, mesmo diante dessas preocupações de sua vida, existia também aquela que o deixava impressionado. Ele estava começando aquilo que seria um novo mundo imaginário, uma nova mitologia que ele poderia dedicar a sua Inglaterra.
Desde que descobrira as palavras de Cynewulf e escrevera o poema ‘A Viagem de Earendel, a Estrela Vespertina’ em 1914, Tolkien se viu numa verdadeira aventura de significados de palavras e poemas sobre uma terra misteriosa e encantada.
Foi nesse período inicial de descoberta, do que viria a ser sua mitologia, Tolkien escreveu os poemas que teriam relação com sua Balada de Earendel, dentre eles ‘As Margens do Reino Encantado’ (The Shores of Faery)[1] escrito ou revisado em Julho de 1915.
As Margens do Reino Encantado, em Inglês Antigo Ielfalandes Strand (The Shores of Elfland – As Margens da Terra dos Elfos), é um poema que deve ser analisado no processo de desenvolvimento da mitologia Tolkieniana. Além disso, é interessante ser estudado para entender o conceito de Tolkien sobre “Faerie”, que foi melhor explorado em seu ensaio “Sobre Contos de Fadas”.
Conforme Humphrey Carpenter afirmou “Comparativamente, o poema tem poucas relações com os conceitos mitológicos posteriores de Tolkien, mas inclui elementos que iriam aparecer no Silmarillion” (CARPENTER, p.86). Esses elementos que Carpenter se refere são as primeiras palavras da língua inventada por Tolkien chamada ‘Qenya’, que posteriormente foi reformulada e teve o nome “Quenya”.

J. R. R. Tolkien jovem soldado da Primeira Guerra Mundial
A data de composição do poema
Há uma certa dificuldade em saber quando o poema foi composto. Nessa época Tolkien não colocava datas em seus escritos, o que ele teve que fazer posteriormente, com base em suas próprias memórias décadas mais tarde. Em três manuscritos relacionados ao poema, Tolkien anotou a data da composição. No primeiro consta precisamente “8 de julho de 1915”. Enquanto que em uma segunda nota são fornecidos mais detalhes quanto ao local, modo e revisão do poema, em que está escrito “Moseley e Edgbaston, Birmingham, julho de 1915 (andando e no ônibus). Retocado frequentemente desde 1924” [2].
No terceiro manuscrito está anotado “Primeiro poema da minha mitologia, Valinor……. 1910”. Isso poderia implicar em afirmar que o poema seria bem mais antigo do que anteriormente se pensava, e assim seria o primeiro relacionado a mitologia Tolkieniana. Contudo, Christopher Tolkien não parece creditar na confiabilidade dessa data, pois ele comenta a respeito afirmando que:
Essa última nota não pode ter sido destinada à data da composição, e as palavras ilegíveis que a precedem podem ser lidas como “cogitado em”. Mas, de qualquer modo, não parece ter sido “o primeiro poema da mitologia”. Pois acredito que seja “Eala Earendel Engla Beorhtast” – e a menção de meu pai sobre esse poema em sua carta de 1967 parece sugerir isso também. (The Book of Lost Tales, part 2, p.271)[3]
Talvez a referência de Tolkien ao poema como sendo o primeiro relacionado a sua mitologia, seja a ideia de que pela primeira vez, como já afirmado, ele tenha utilizado sua língua artificial que faria parte dessa universo. Ou mesmo, o primeiro poema em que ele tratou sobre Valinor e tivesse uma ideia geral do que havia naquele mundo. Contudo, a opinião de Christopher Tolkien é relevante e parece ser a mais acertada, tendo em vista a carta posterior de Tolkien.
Possivelmente nessa mesma época, Tolkien escreveu o poema em “O Livro de Ishness” (The Book of Ishness), na página branca de uma ilustração feita por ele. Essa ilustração, que levou o mesmo nome do poema “As Margens do Reino Encantado”, apresenta com um estilo diferenciado e foi publicada no livro J.R.R. Tolkien: Artist and Illustrator, editado por Christina Scull e Wayne G. Hammond.

The Shores of Faery de J.R.R. Tolkien
O prefácio do poema
Em seu primeiro esquema do que seria a história de Earendel, no final de 1914, logo após compor o poema “A Viagem de Earendel, a Estrela Vespertina”, Tolkien resume as ideias de que o herói iria fazer uma viagem para o norte e que chegaria a uma “terra da magia”. Depois conseguiria retornar para casa e ao passar muitos anos ele iria novamente embarcar na sua última viagem.
Tolkien manteve a ideia da viagem de Earendel e acrescentou outros elementos, que tornaram a história mais rica e detalhada. Existe um pequeno prefácio ao poema, que foi escrito em prosa e que contém um significativo resumo da história do herói Earendel. Nele está demonstrado que Tolkien já tinha agora um estágio avançado em suas ideias sobre o personagem.
Earendel, o Viajante que velejou sobre os Oceanos do Mundo em seu navio branco Wingelot se assentou durante sua velhice na Ilha das Aves Marinhas nas Águas do Norte antes que se apresentasse em uma última viagem. Ele passou por Taniquetil e até Valinor, e dirigiu seu navio acima da haste na margem do mundo e lançou-o nos Oceanos do Firmamento. De seus empreendimentos, nenhum homem contou, exceto que caçado pela orbe lunar, velejou de volta para Valinor e,subindo as torres de Kor sobre as rochas de Eglamar, se voltou para os Oceanos do Mundo. Para Eglamar, ele vem sempre em plenilúnio, quando a Lua navega assolando além de Taniquetil e Valinor. (The Book of Lost Tales, part 2, p.262)[4]
Em síntese, o prefácio diz que Earendel é um marinheiro idoso, que conseguiu velejar até Valinor e isso é o que se sabe sobre ele. No poema são mencionados vários nomes como Wingelot, Taniquetil, Valinor, Eglamar e Kor que são propriamente derivados dos primeiros estudos de Tolkien sobre sua criação linguística, que serão analisados logo adiante.
O navio de Earendel já havia sido descrito no poema “O Clamor do Menestrel” (The Bidding of the Minstrel), composto no final de 1914, em que é visto como branco como pássaros marítimos, por isso a associação com a Ilha das Aves Marinhas.
Analisando as duas versões do Poema
O poema inicia com uma descrição da colina solitária com torres brancas e silenciosas, localizada em Valinor, além de Taniquetil. Nesse local existem as duas árvores que dão origem ao fruto do meio-dia e a flor da noite. As duas árvores foram utilizadas posteriormente na mitologia de Tolkien. Sendo as árvores Laurelin e Telperion. Em seguida descreve as margens do Reino Encantado cuja espuma é música de prata. A embarcação de Earendel é comparada como a única estrela que consegue chegar àquele local e lá ele ancora o navio Wingelot.
Atualmente existem duas versões do poema que foram publicadas na integra. A versão mais antiga foi apresentada pela primeira vez na biografia do Tolkien escrita por Humphrey Carpenter, J.R.R. Tolkien Uma Biografia, publicado no Brasil pela Martins Fontes em 1992, contendo aproximadamente 160 palavras e 31 versos. A versão final do poema foi exposta no livro The Book of Lost Tales, part 2, editado por Christopher Tolkien, contem um verso a mais e algumas alterações no poema.
Conforme traduzido por Ronald Kyrmse, na edição brasileira da biografia escrita por Humphrey Carpenter, sem observar as rimas do poema original para buscar o sentido literal do poema, o poema apresentado é o seguinte[5]:
A oeste da Lua, a leste do Sol
Ergue-se uma solitária Colina.
Seus pés ficam no Mar verde-pálido;
Suas torres são brancas e silenciosas:
Além de Taníquetil
Em Valinor.
Nenhuma estrela lá chega, exceto uma,
Que caçava com a lua,
Pois lá crescem nuas as Duas Árvores
Que concebem a prateada flor da noite[6]
Que concebem o redondo fruto do Meio-Dia
Em Valinor.
Lá estão as costas do Reino Encantado
Com sua praia de seixos enluarados
Cuja espuma é música de prata
No opalescente piso.
Além das grandes sombras marinhas
À margem da areia
Que se estende para sempre
Dos dourados pés de Kôr
Além de Taníquetil
Em Valinor.
Oh! a oeste da Lua, a leste do Sol
Fica o Porto da Estrela;
A branca cidade do Errante
E os rochedos de Eglamar:
Lá Wingelot está ancorado
Enquanto Earendel olha ao longe
A mágica e o prodígio
Entre aqui e Eglamar
Além, além de Taníquetil
Em Valinor – ao longe. [7]
A primeira mudança está no primeiro verso, que descreve a localização da Colina solitária. Na versão primitiva seria “a oeste da Lua, a leste do Sol”, enquanto que na última versão foi modificado para “a leste da lua, e a oeste do Sol”. A mesma modificação foi realizada no verso 22.
Mas as mudanças mais significativas foram feitas nos versos da segunda estrofe. Na versão primitiva Tolkien as Duas Árvores “crescem” (grow), dando a ideia de que elas estariam em seu estágio inicial na mesma época que Earendel chegava a região. Tolkien mudou o verso de “Pois lá crescem nuas as Duas Árvores” (For there the Two Trees naked grow) para “e lá estão as Duas Árvores nuas” (And there the Two Trees naked are). Nesse mesmo sentido nos versos seguintes foi trocada a palavra “bear” (concebem, nutrem) por “bore” (erguer). Dessa forma, a estrofe modificada pode ser traduzida da seguinte forma:
Lá não chega nenhuma estrela exceto uma
Que velejava diante da lua
E lá as Duas Árvores nuas estão
Que ergue a prateada flor da noite
Que ergue o redondo fruto do Meio-Dia
Em Valinor.[8]
Outra modificação importante é a substituição de um verso “Dos dourados pés de Kôr” (From the golden feet of Kôr) por outros dois versos “para as portas com cabeça de dragão” [9] (To the dragonheaded door) e “O portal da Lua” (The gateway of the Moon).
As “portas com cabeça de dragão” está associada com a descrição feita da ‘Porta da Noite’, que no Silmarillion é considerado o local em que Morgoth foi preso após sua derrota Guerra da Ira e que permanece vigiado por Earendil, até que ocorra o fim dos tempos.
No conto “A Ocultação de Valinor” (The Hiding of Valinor) há uma menção ao portal e sua criação pelos Valar:
“Ali ela se ergue ainda, totalmente negra e enorme junto às muralhas de azul profundo. Seus pilares são do mais forte basalto e seu lintel também, mas grandes dragões de pedra negra estão esculpidos sobre eles, e uma fumaça sombria se derrama lentamente das suas mandíbulas.” (The Book of Lost Tales Part I, pp. 215-216). [10]
Em anotações relacionadas aos versos de A Queda de Artur, Tolkien declara que “Lancelot obtém um barco e navega para o oeste e jamais retorna”[11] e vincula essa frase com um “Trecho de Earendel”. Christopher Tolkien ao analisar os manuscritos percebe qual seria esse trecho e realiza a transcrição no livro A Queda de Artur. Nos últimos versos é possível verificar a “os portais do dragão”, conforme pode ser lido abaixo:
Eärendel parte em ávida demanda
a mágicas ilhas além das milhas do mar,
além das Colinas de Avalon e os salões da lua,
os portais do dragão e as escuras montanhas
da Baía do Reino Encantado nas margens do mundo.[12]
O uso da palavra “Avalon” para o que viria ser chamado Valinor, demonstra a ligação que o Tolkien estava desenvolvendo em relação às lendas arturianas e sua mitologia. Isso trouxe repercussões na análise feita em relação a palavra “Faerie”, analisada adiante.

Livro A Queda de Artur
O uso do Qenya no poema
No mesmo período em que escrevia seus primeiros poemas sobre o legendarium, Tolkien começou a desenvolver sua primeira língua artificial que seria utilizada nas histórias. Trata-se do Qenya, ou chamado posteriormente de Quenya. O principal manuscrito desse período é o “Qenya Lexicon”, um conjunto de palavras na antiga língua dos seres que habitavam o Reino Encantado. Esse material foi posteriormente publicado no periódico tolkieniano Parma Eldalamberon volume 12.
Em defesa de tese de doutorado “The Genesis of J.R.R. Tolkien’s Mythology”, Andrew Higgins realizou análise comparativa das palavras encontradas no poema “As Margens do Reino Encantado” com o “Qenya Lexicon” e percebeu a proximidade de ambos, chegando a seguinte conclusão:
No caso do poema de ‘As Margens do Reino Encantado, muito mais longo, das 109 palavras analisadas nas frases, cada uma tem uma raiz, palavra ou cognato em Qenya, exceto 13 delas. Ou seja, uma taxa de frequência de 88% das palavras teria uma fonte no ‘Qenya Lexicon’. O que essas duas análises de frequência mostram é que Tolkien estava inventando palavras em seu ‘Qenya Lexicon’ que também aparecem em sua poesia mítica inglesa. Sugerindo que ele estava construindo esse léxico parcialmente para servir como uma coleção de palavras poéticas para expressão mítica paralela em sua linguagem inventada. (HIGGINS, p. 110)[13]
As palavras propriamente em Qenya no poema são ‘Valinor’, ‘Taniquetil’, ‘Kor’,’Eglamar’, ‘Wingelot’ e ‘Earendel’. Todas essas palavras constam no ‘Qenya Lexicon’, exceto por ‘Eglamar’ que é uma palavra variação em Gnomish do nome ‘Eglobar’ (Elfinesse), citado no ‘Gnomish Lexicon’.
Valinor ou Valinōre no Qenya Lexicon é traduzido como apenas “Asgard”, que é o lar dos Deuses Nórdicos. Isso significa uma associação germânica com o lar dos deuses da mitologia Tolkieniana, o que demonstra a fonte de inspiração para as características do panteão dos Valar.
A palavra ‘Taniquetil’ traz ideia de Loção de neve (Lofty snowcap), que é uma grande montanha no Fim do Mundo. Ao passo que Kor é a antiga cidade construída sobre as rochas de Eldamar. De onde as fadas marcharam para o mundo. (PE 12, p.48),[14] Embora, como visto anteriormente o verso em que a palavra Kor aparece tenha sido suprimido por outros dois.
O nome do barco de Earendel é colocado aqui como ‘Wingelot’, que significa “Flor do Oceano”, com variações de escrita como “Vingilot, Wingilot, Wingelóte”. Ao comentar sobre a palavra Andrew Higgins aponta a conexão que pode ser realizada com outras lendas:
Uma forma variante deste nome, Guingelot (a intercalação Gu/W vem do Francês Normando) foi associado a outro barco pertencente à lendária figura Wade, o pai de Weland, o ferreiro (ver Chambers 1912, p.96). Além disso, um nome semelhante aparece em Sir Gawain e o Cavaleiro Verde como o nome do cavalo de Gawain, Gryngolet (1967, p.97). O uso de Tolkien do nome para o navio de Éarendel sugere que ele se baseia em modos tradicionais de transporte de outras figuras míticas (ou seja, um navio e um cavalo) para sugerir a validade desta tradição em sua própria mitologia, usando a diplosemia bilíngüe. No entanto, novamente como com Kor, Tolkien não apenas “usou” o nome do mito e da legenda do mundo primário, mas inventou uma origem linguística em sua consistente construção de raízes no The Qenya Lexicon. (HIGGINS, p. 110).[15]
Da mesma forma que a palavra Earendel existe no mundo primário e foi adotado por Tolkien com um significado diferente em seu mundo secundário, outras palavras foram também dessa mesma forma analisadas, como é o caso de Wingelot. Na observação de Higgins, essa palavra tem existência em lendas anteriores como o barco de Wade e o cavalo de Gawain.
O comentário de Higgins traz a referência a nota feita por Thomas Speght, um editor das obras de Chaucer, no final do século XVI, que trata sobre Wade e seu barco “A respeito de Wade e seu barco chamado Guingelot, e também suas façanhas estranhas no mesmo, eu irei evita-lo, pois o assunto é longo e fabuloso” (Chambers, p.96)[16]. Em sua forma anglicizada o navio é chamado de “Wingelock”, similar ao ‘Wingelot’ de Tolkien.

Earendil, arte de Ted Nasmith
O significado de ‘Faery’ segundo Tolkien
No título do poema The Shores of Faery há a palavra “Faery” que merece uma análise atenciosa para entender o seu significado conforme a ideia de Tolkien.
A primeira ideia que se tem ao ler a palavra ‘Faery’ (ou Faerie, Fayery), que pode ser traduzida para o Português como “Fada”, é que seria um ente sobrenatural ou uma criatura que se verifica em contos para crianças.
É uma palavra antiga e que a busca por seu significado verdadeiro demanda um trabalho exaustivo e quase impossível de ser concretizado. Para Tolkien essa palavra tem um papel importante desde os primórdios do seu legendarium. Diferentemente do conceito comum da palavra, para o professor de Oxford a palavra não traz a ideia de uma criatura supernatural, mas sim de uma terra encantada e suas aventuras estranhas.
O ensaio “Sobre Contos de Fadas (On Fairy Stories), publicado no Brasil no livro ‘Árvore e Folha’ pela editora Wmf Martins Fontes, esboça a tentativa de Tolkien em definir e apresentar elementos do que seriam os “Contos de Fadas”. Ao pesquisar as origens da palavra “Fairy” (Fada) em Inglês, ele aponta que aconteceu um equivoco, que se prolongou pela história, do que seria verdadeiramente essa palavra.
Fairy [fada], como substantivo mais ou menos equivalente a elf [elfo], é uma palavra relativamente moderna, quase não usada antes do período Tudor. A primeira citação no Oxford Dictionary (a única antes de 1450) é significativa. Foi extraída do poeta Gower: as He were a faierie [como se ele fosse uma fada]. Mas não foi isso que Gower disse. Ele escreveu as he were of faierie, “como se fosse de Faërie [Reino Encantado]”[17]. Gower estava descrevendo um jovem galante que busca enfeitiçar os corações das donzelas na igreja.(Árvore e Folha, p.8)
Para Tolkien a definição de conto de fadas não depende de nenhuma definição ou relato histórico sobre elfos ou fadas, mas sim da natureza do Reino Encantado, do próprio Reino Perigoso. Segundo ele a maioria dos bons “contos de fadas” trata das aventuras dos homens no Reino Perigoso ou nos seus sombrios confins.Conforme ele elucida em seu ensaio:
no uso normal em língua inglesa os contos de fadas não são histórias sobre fadas ou elfos, mas histórias sobre o Reino Encantado, Faërie, o reino ou estado no qual as fadas existem. O Reino Encantado contém muitas coisas além dos elfos e das fadas, e além de anões, bruxas, trolls, gigantes ou dragões; contém os oceanos, o sol, a lua, o firmamento e a terra, e todas as coisas que há nela: árvore e pássaro, água e pedra, vinho e pão, e nós mesmos, seres humanos mortais, quando estamos encantados.(Árvore e Folha, p.9)
Nesse mesmo ensaio, Tolkien sugere que “Faerie” possa ser traduzido apenas como “Magia”. E interessante observar que a nota mais antiga, um pouco posterior ao poema “A Viagem de Earendel, a estrela vespertina”, publicada no The Book of Lost Tales parte 2 (p.261), escreve “terra da magia” (land of magic) para se referir aos primeiros locais descobertos por Earendel em suas viagens marítimas.
As palavras “Faerie” e “Aerie” são citadas no poema “Errantry”[18], no livro As Aventuras de Tom Bombadil, como sendo terras distantes de onde se originam os elfos, com cabelos dourados, que eram paladinos que desafiam o marinheiro, protagonista do poema.
O poema “Errantry” é colocado como sendo de autoria de Bilbo Bolseiro e teria sido composto após a sua viagem a partir de algumas impressões sobre a lenda de Earendil. Contudo, embora essas palavras estejam presentes nesse livro, que é posterior ao Senhor dos Anéis, não se pode afirmar que elas teriam algum significado no mundo secundário. O prefácio indica que essas palavras são invenções de Bilbo e que não teriam relação élfica: “Embora seja visível a influência das tradições élficas, elas não são tratadas com seriedade; os nomes que figuram no poema (Derrilyn, Thellamie, Belmarie, Aerie) são meras invenções no estilo dos Elfos, e na realidade nada têm de élfico”.(As Aventuras de Tom Bombadil. p.XI).
Interessante notar que dentre as palavras destacadas, Tolkien omitiu “Faerie”, o que implica dizer que ainda tinha a ideia de alguma conexão da palavra aos Elfos e também que nomeia algum lugar distante e mágico.
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA
CARPENTER, Humphrey. J.R.R. Tolkien: uma biografia. Martins Fontes. São Paulo, 1992.
CHAMBERS, R. W. Widsith: A Study in Old English Heroic Legend. Cambridge, 1912.
HAMMOND, Wayne G. SCULL, Christina. The J.R.R. Tolkien Companion and Guide: I. Chronology, HarperCollins, Londres, 2006.
______________The Adventures of Tom Bombadil. HarperCollins, Londres, 2014.
______________ J.R.R. Tolkien Artist and Illustrator. HarperCollins, Londres, 1995.
HIGGINS, Andrew S. The Genesis of J.R.R. Tolkien’s Mythology, Thesis submitted for the degree of Doctor of Philosophy. School of Education Cardiff Metropolitan University. 2015.
TOLKIEN, J.R.R. Árvore e Folha. Wmf Martins Fontes. São Paulo, 2013.
______________ A Queda de Artur. Editado por Christopher Tolkien. Wmf Martins Fontes. São Paulo, 2013.
______________The Book of Lost Tales, part 2, editado por Christopher Tolkien. HarperCollins, Londres, 1985.
______________ Parma Eldalamberon Vol. 12, editado por Christopher Gilson, Patrick Wynne, Arden R. Smith, Carl F. Hostetter, publicação independente, 1998.
______________On Fairy-stories. Editado por Verlyn Flieger e Douglas A. Anderson, HarperCollins, Londres, 2006.
______________ O Hobbit. Martins Fontes. São Paulo, 1995.
______________ As Aventuras de Tom Bombadil. Martins Fontes. São Paulo, 2008.
______________ As Aventuras de Tom Bombadil. Europa-América. Lisboa, 1986.
______________ Sobre Histórias de Fadas. Conrad. São Paulo, 2010.
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NOTAS:
[1] Também pode ser traduzido como “As Costas do Reino Encantado”, “As Praias de Faery”. Também pode ser traduzido como “As Praias Mágicas”, como sugerido pelo próprio Tolkien, em que a palavra teria o significado de ‘magia’.
[2] Moseley and Edgbaston, Birmingham July 1915 (walking and on bus). Retouched often since-esp. 1924′;
[3] This last cannot have been intended for the date of composition, and the illegible words preceding it may possibly be read as ‘thought of about’. But it does not in any case appear to have been ‘the first poem of the mythology’. that, I believe, was Eala Earendel Engla Beorhtast — and my father’s mention of this poem in his letter of 1967 seems to suggest this also. (The Book of Lost Tales, part 2, p.271)
[4] Earendel the Wanderer who beat about the Oceans of the World in his white ship Wingelot sat long while in his old age upon the Isle of Seabirds in the Northern Waters ere he set forth upon a last voyage.He passed Taniquetil and even Valinor, and drew his bark over the bar at the margin of the world, and launched it on the Oceans of the Firmament. Of his ventures there no man has told, save that hunted by the orbed Moon he fled back to Valinor, and mounting the towers of Kor upon the rocks of Eglamar he gazed back upon the Oceans of the World. To Eglamar he comes ever at plenilune when the Moon sails a-harrying beyond Taniquetil and Valinor. (The Book of Lost Tales, part 2, p.262)
[5] CARPENTER, p. 86-87.
[6] Este verso é omitido na tradução brasileira da Biografia de Humphrey Carpenter. Embora sua versão original em inglês seja fornecida na nota de rodapé do poema traduzido (Ver. CARPENTER, p. 86-87).
[7] West of the Moon, East of the Sun / There stands a lonely Hill / lts feet are in the pale green Sea; / lts towers are white and still: / Beyond Taníquetil / ln Valinor. / No stars come there but one alone / That hunted with the Moon, / For there the Two Trees naked grow / That bear Night’s silver bloom; / That hear the globed fruit of Noon/ In Valinor. / There are the shores of Faery / With their moonlit pebbled Strand / Whose foam is silver music / On the opalescent floor / Beyond the great sea-shadows / On the margent of the sand / That stretches on for ever / From the golden feet of Kôr/ Beyond Taníquetil / In Valinor. / O! West of the Moon, East of the Sun / Lies the Haven of the Star; / The white town of the Wanderer / And the rocks of Eglamar: / There Wingelot is harboured / While Earendel looks afar / On the magic and the wonder Twe’en here and Eglamar / Out, out beyond Taníquetil / In Valinor -afar.
[8] Comes never there but one lone star/That fled before the moon; /And there the Two Trees naked are/That bore Night’s silver bloom, /That bore the globéd fruit of Noon/In Valinor.
[9] A Queda de Artur, p.193.
[10] There it still stands, utterly black and huge against the deep-blue walls. Its pillars are of the mightiest basalt and its lintel likewise, but great dragons of black stone are carved thereon, and shadowy smoke pours slowly from their jaws. (The Book of Lost Tales Part I, pp. 215-216).
[11] (A Queda de Artur, p.168)
[12] Eärendel goeth on eager quest / to magic islands beyond the miles of the sea, / past the hills of Avalon and the halls of the moon, /the dragon’s portals and the dark mountains / of the Bay of Faery on the borders of the world (A Queda de Artur, p.170)
[13] In the case of the much longer The Shores of Faery poem, of the 109 analysed word phrases, there is a Qenya root, word or cognate for all but 13 of them, or an 88% frequency rate of words that would have a Qenya source in the Lexicon. What these two frequency analyses show is that Tolkien was inventing words in his Qenya Lexicon that also appear in his English mythic poetry; suggesting that he was building this lexicon partially to serve as a collection of poetic words for parallel mythic expression in his invented language.
[14] Kor (kōr-) the ancient town built above the rocks of Eldamar. whence the fairies marched into the world. (PE 12, p.48).
[15] A variant form of this name, Guingelot (the Gu/W interchange comes from Norman French) was associated with another boat belonging to the legendary figure Wade, the father of Weland the Smith (see Chambers 1912, p.96). Further, a similar name appears in Sir Gawain and the Green Knight as the name of Gawain’s horse, Gryngolet (1967, p. 97). Tolkien’s use of the name for Éarendel’s ship suggests he was drawing upon traditional modes of transportation of other mythic figures (i.e. a ship and a horse) to suggest the validity of this tradition in his own mythology, using bilingual diplosemy. However, again like with Kor, Tolkien did not just ‘use’ the name from primary world myth and legend but invented a linguistic origin for it in his consistent base root construction in The Qenya Lexicon. (HIGGINS, p. 110).
[16] “Concerning Wade and his bote called Guingelot, and also his strange exploits in the same, because the matter is long and fabulous, I pass it over” (CHAMBERS, p.96).
[17] Na edição do livro Árvore e Folha publicada pela editora Wmf Martins Fontes em 2013 o tradutor Ronald Kyrmse optou por traduzir “Faerie” como “Reino Encantado”, diferente da primeira versão publicada no Brasil do mesmo ensaio pela editora Conrad, em que o mesmo tradutor havia optado por “Belo Reino” alegando que a sonoridade de “Faerie” remete a ‘fair’ (“belo”, em inglês). Como se trata de um mesmo tradutor com versões diferentes, optamos pela tradução mais recente.
[18] Traduzido como “A Missão sem destino” por William Lagos e “A Vida Errante” por Ronald Kyrmse na edição brasileira de As Aventura de Tom Bombadil (2008). E traduzido como “Vida Errante” por Ersílio Cardoso na edição de Portugal do mesmo livro.
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