
Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth, 3rd Edition, and Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth.Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para o português, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.
Tradução: Sérgio Ramos.
Pergunta: Para quem foram feitos os Anéis de Poder?
Resposta: No prólogo do filme de Peter Jackson, “A Sociedade do Anel”, a voz de Galadriel conta para o público que os Anéis de Poder foram feitos para Elfos, Anões e Homens. Apesar dessa narrativa parecer concordar com a clássica rima do Anel do livro, a história literária é bem diferente. A rima do Anel é bem conhecida dos fãs de Tolkien:
Três Anéis para os Reis-Élficos sob este céu,
Sete para os Senhores-Anões em seus rochosos corredores,
Nove para Homens Mortais, fadados ao eterno sono,
Um para o Senhor do Escuro em seu escuro trono
Na Terra de Mordor onde as Sombras se deitam.
Em minha dissertação, “Shhh! It´s a Secret Ring!” (que eu escrevi em 2001)*, eu sugeri que a rima do Anel não poderia ter sido composta (dentro da estrutura histórica do conto literário) antes dos anos iniciais da Última Aliança de Elfos e Homens. De fato, a época da composição da rima é quase certificada pelos detalhes que ela contém:
Então, deve ser que a rima do Anel foi idealizada durantes os anos iniciais da Última Aliança. Provavelmente, ela foi composta em Imladris, logo após (se não durante) qualquer conselho que Gil-galad tenha convocado com os outros governantes da Terra-média. A natureza dos Nazgûl e a posse dos Nove Anéis desaparecidos teriam de ser inferidas, mas por esta época era certeza quem possuía os Anéis. E o segredo mais bem guardado da Terra-média não era mais um segredo realmente. Ainda assim, Gil-galad não teria divulgado quem possuía os Três Anéis. Para mantê-los em segurança, ele entregou seus dois Anéis para Elrond e Círdan. No entanto, a rima do Anel diz que os Três foram concedidos a Reis-Élficos. O compositor da rima, portanto, não poderia ter como saber onde os Três estavam. Ele (ou ela) deve ter acreditado que Gil-galad, Oropher e Amdir tinham os Três. Convenientemente, todos os três morreram na guerra, e ninguém reivindicou os Três de seus corpos. Então, os Elfos e seus aliados devem ter ficado em dúvida sobre quem tinha os Três logo após a morte de Gil-galad. E esta dúvida deve ter refletido na rima do Anel caso ela tenha sido composta depois da morte de Gil-galad.
O leitor é primeiro introduzido à obscura história dos Anéis de Poder no capítulo “A Sombra do Passado”, onde Gandalf compartilha um breve relato da origem dos Anéis com Frodo:
Em Eregion, há muito tempo, muitos anéis élficos foram feitos, anéis mágicos, como se diz. E eram, é claro, de muitos tipos: alguns mais poderosos, outros menos. Os anéis menos importantes foram apenas ensaios no ofício, que ainda não estava totalmente desenvolvido, e para os ourives élficos eram insignificantes – embora eu os considere um risco para os mortais. Mas os Grandes Anéis, os Anéis de Poder, esses eram perigosos.
A próxima lição de história sobre os Anéis de Poder não é mais satisfatória quanto aos detalhes que ela fornece. Elrond reconta a história dos Anéis para os membros de seu Conselho, mas não para o leitor:
Então todos escutaram, enquanto Elrond, com sua voz clara, falava de Sauron e dos Anéis de Poder, e de sua forjadura na Segunda Era do mundo, há muito tempo. Uma parte da história era conhecida por alguns ali, mas a história completa ninguém conhecia, e muitos olhos se voltavam para Elrond com medo e surpresa, enquanto ele contava sobre os ourives élficos de Eregion, e de sua amizade com Moria, e de sua avidez de conhecimento, através da qual Sauron os seduziu. Pois, naquela época, ainda não era declaradamente mau, e eles aceitaram sua ajuda, tornando-se hábeis, enquanto Sauron aprendia todos os segredos, e os traía, forjando secretamente, na Montanha do Fogo, o Um Anel para dominar todos os outros. Mas Celebrimbor sabia das verdadeiras intenções de Sauron, e escondeu os Três que tinha feito; então houve guerra, e a terra foi arrasada, e o portão de Moria foi fechado.
Embora a história deixe claro que Sauron deu os Anéis de Poder a Anões e Homens, ela não fornece qualquer detalhe de quando ele fez isso. Não seria antes da publicação d´O Silmarillion em 1977 que os leitores poderiam aprender como Sauron veio a possuir os anéis. Em “Dos Anéis de Poder e da Terceira Era”, Tolkien escreveu:
Foi em Eregion que os conselhos de Sauron foram acolhidos com maior prazer, pois naquela terra os noldor sempre desejaram aumentar a perícia e a sutileza de suas obras. Além do mais, eles não estavam em paz em seu íntimo, já que se haviam recusado a voltar para o oeste e desejavam tanto permanecer na Terra-média, que amavam, quanto gozar da bem-aventurança dos que haviam partido. Por isso, deram ouvidos a Sauron e com ele muito aprenderam, pois seu conhecimento era imenso. Naquela época, os artífices de Ost-in-Edhil superaram tudo o que haviam criado antes. Refletiram, e fizeram Anéis de Poder. Contudo, Sauron guiava seus esforços e estava a par de tudo o que faziam; pois seu desejo era impor uma obrigação aos elfos e mantê-los sob vigilância.
Ora, os elfos fizeram muitos anéis. Em segredo, porém, Sauron fez Um Anel para governar todos os outros, e o poder dos outros estava vinculado ao dele, de modo a submeter-se totalmente a ele e a durar somente enquanto ele durasse. E grande parte da força e da vontade de Sauron foi transmitida àquele Um Anel. Pois o poder dos anéis élficos era enorme, e aquele que deveria governa-los deveria ser um objeto de potência extraordinária. E Sauron o forjou na Montanha de Fogo na Terra da Sombra. E, enquanto usava o Um Anel, ele conseguia perceber tudo o que era feito pelos anéis subalternos, e ler e controlar até mesmo os pensamentos daqueles que os usavam.
O elfos, entretanto, não se deixariam apanhar com tanta facilidade. Assim que Sauron pôs o Um Anel no dedo, eles se deram conta dele, reconheceram-no e perceberam que ele queria ser senhor deles e de tudo o que eles criavam. Então, enfurecidos e cheios de medo, recolheram seus anéis. Sauron, porém, descobrindo-se traído e vendo que não conseguira enganar os elfos, enfureceu-se. E investiu contra eles em guerra declarada, exigindo que todos os anéis lhe fossem entregues, já que os joalheiros élficos não poderiam tê-los executado sem seus conhecimentos e conselhos. Mas os elfos fugiram dele; e três dos anéis eles salvaram, levaram embora e esconderam.
…
Daquela época em diante, a guerra nunca mais cessou entre Sauron e os elfos. E Eregion foi devastada; Celebrimbor, assassinado; e as portas de Moria, fechadas. Nesse período, a fortaleza e o refúgio de Imladris, que os homens chamam de Valfenda, foi fundada por Elrond Meio-elfo. E resistiu por muito tempo. Sauron, entretanto, acumulou nas mãos todos os Anéis de Poder que restavam. E os distribuiu a outros povos da Terra-média, esperando assim atrair para sua influência todos os que desejassem um poder secreto maior do que o atribuído à sua espécie. Sete anéis deu ele aos anões; mas aos homens deu nove, pois os homens se revelaram, nesse aspecto como em outros, os mais propensos a se submeter à sua vontade…
Os detalhes finais da história dos anéis foram publicados em 1980 em Contos Inacabados de Númenor e da Terra-média. Na seção intitulada “A História de Galadriel e Celeborn”, a passagem a seguir explicou exatamente como (em registro incompleto) Sauron obteve os Sete e os Nove:
Quando Sauron ouviu falar do arrependimento e da revolta de Celebrimbor, seu disfarce caiu e sua ira se revelou. E, reunindo um grande exército, avançou sobre Calenardhon (Rohan) para invadir Eriador no ano de 1695. Quando Gil-galad recebeu notícias disso, enviou um exército comandado por Elrond Meio-Elfo; mas Elrond tinha um longo caminho a percorrer, e Sauron voltou-se para o norte prosseguindo imediatamente para Eregion. Os batedores e a vanguarda da hoste de Sauron já se aproximavam quando Celeborn fez uma investida e os rechaçou; mas, embora conseguisse reunir suas forças às de Elrond, não puderam voltar a Eregion, pois a hoste de Sauron era muito maior que a deles, grande o suficiente para mantê-los à distância e ao mesmo tempo atacar Eregion com vigor. Finalmente os atacantes irromperam em Eregion com ruína e devastação e capturaram o principal objeto do ataque de Sauron, a Casa dos Mírdain, onde estavam suas forjas e seus tesouros. Celebrimbor, desesperado, enfrentou Sauron ele mesmo na escadaria da grande porta dos Mírdain; mas foi agarrado e feito prisioneiro, e a Casa foi saqueada. Lá Sauron apossou-se dos Nove Anéis e de outras obras menores dos Mírdain; mas não conseguiu encontrar os Sete e os Três. Então Celebrimbor foi torturado, e Sauron descobriu por ele a quem haviam sido confiados os Sete. Isso foi revelado por Celebrimbor porque nem os Sete nem os Nove tinham tanto valor para ele quanto os Três. Os Sete e os Nove foram feitos com o auxílio de Sauron, ao passo que os Três foram feitos por Celebrimbor sozinho, com poder e propósito diversos. [Aqui não se diz efetivamente que Sauron nessa época tenha tomado posse dos Sete Anéis, embora esteja claramente implícito que o fez. No Apêndice A (III) do Senhor dos Anéis diz-se que havia uma crença entre os anões do Povo de Durin de que o anel de Durin III, Rei de Khazad-dûm, lhe fora dado pelos próprios artífices élficos, e não por Sauron; mas no presente texto nada é dito sobre a forma pela qual os Sete Anéis chegaram à posse dos anões.] Acerca dos Três Anéis, Sauron nada pôde saber por Celebrimbor; e mandou mata-lo. Mas adivinhava a verdade, de que os Três haviam sido confiados a guardiães élficos: e isso devia significar a Galadriel e Gil-galad.
E em 1981, quando As Cartas de J. R. R. Tolkien foram publicadas, os leitores aprenderam um pouco mais sobre os anéis. Na Carta n. 131, a qual Tolkien escreveu para Milton Waldman, editor da Collins, no final de 1951, ele disse:
… Mas em Eregion iniciou-se uma grande obra – e os Elfos chegaram o mais próximo possível de sucumbirem à “magia” e ao maquinário. Com o auxílio do conhecimento de Sauron, criaram Anéis de Poder (“poder” é uma palavra agourenta e sinistra em todos esses contos, exceto quando aplicada aos deuses).
O principal poder (igualmente de todos os anéis) era a prevenção ou retardamento da decadência (isto é, da ´mudança´ vista como uma coisa lamentável), a preservação do que é desejado ou amado, ou de sua aparência – esse é mais ou menos um motivo Élfico. Mas eles também aumentavam os poderes naturais do possuidor – aproximando-se assim da ´magia´, um motivo facilmente corruptível ao mal, uma ânsia por dominação. E, por fim, tinham outros poderes, derivados mais diretamente de Sauron (´o Necromante: assim ele é chamado enquanto lança uma sombra e um presságio fugidios nas páginas de O Hobbit): tais como tornar invisível o corpo material e tornar objetos do mundo invisível visíveis.
Os Elfos de Eregion criaram Três anéis supremamente belos e poderosos, quase que unicamente de sua própria imaginação, e direcionaram-nos à preservação da beleza: não conferiam invisibilidade. Mas secretamente, no Fogo subterrâneo, em sua própria Terra Negra, Sauron criou Um Anel, o Anel Governante que continha os poderes de todos os outros e controlava-os, de modo que quem o usasse pudesse ver os pensamentos de todos aqueles que usavam os anéis menores, pudesse governar tudo o que faziam e, no final, pudesse escraviza-los por completo. Ele não contou, entretanto, com a sabedoria e as sutis percepções dos Elfos. No momento em que assumiu o Um, eles ficaram cientes disso e de seu propósito secreto, e tiveram medo. Esconderam os Três Anéis, de forma que nem mesmo Sauron jamais descobriu onde estavam, e permaneceram imaculados. Os outros eles tentaram destruir.
Na guerra resultante entre Sauron e os Elfos, a Terra-média, especialmente no oeste, foi arruinada ainda mais. Eregion foi capturada e destruída, e Sauron apossou-se de muitos Anéis de Poder. Estes ele deu, para sua total corrupção e escravização, àqueles que os aceitaram (por ambição ou cobiça). Daí uma “antiga rima” que aparece como o tema recorrente de O Senhor dos Anéis.
Três Anéis para os Reis-Élficos sob este céu,
Sete para os Senhores-Anões em seus rochosos corredores,
Nove para Homens Mortais, fadados ao eterno sono,
Um para o Senhor do Escuro em seu escuro trono
Na Terra de Mordor onde as Sombras se deitam.
Então, todos os Anéis de Poder foram mantidos em Eregion até Sauron destruir o reino, e só então ele buscou os Sete e os Nove, os quais ele posteriormente distribuiu a Anões e Homens. Aqueles anéis nunca foram pretendidos para ninguém a não ser Elfos por seus artífices (incluindo Sauron). Sauron apenas deu os Anéis de Poder para Anões e Homens como plano secundário depois que seu plano principal falhou.
* Estamos preparando a tradução deste artigo também para publicação aqui no Tolkien Brasil.
Artigo publicado originalmente em 03 de abril de 2013 AQUI. A tradução e publicação foram autorizadas pelo autor do artigo Michael Martinez. Tradução de Sérgio Ramos.
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